quarta-feira, 2 de maio de 2012


Algures em Portugal... O povo está feliz, contente.

Promoção

Piolhos com cinquenta por cento de desconto
em cartão
sem promoção
nem talão

vaginas tricolores
flores
meninas com tractores
em cartão
sem promoção
nem talão

com cinquenta por cento de desconto

desempregados em cartão
sem promoção
nem talão

com cinquenta por cento de desconto

Piolhos
em cartão
sem promoção
nem talão

com cinquenta por cento de desconto

um galo de Barcelos
ou um caralho das caldas

tudo em promoção
em cartão
com cinquenta por cento de desconto...

um tostão
em cartão
sem promoção
nem talão

(um galo de Barcelos
ou um caralho das caldas)

tudo em promoção
o pão
o sabão
e a prisão.

Navio sem nome

E o navio se esconde
e o navio se abraça,

e o navio sem nome
procura outro navio ou barcaça,

e o navio com fome
na cidade da desgraça
sem nome
sem graça.

terça-feira, 1 de maio de 2012

Quatro paredes de ardósia

Limito-me a quatro paredes
de ardósia
e ao cheiro do mar,

limito-me às palavras de argila
semeadas nas tardes imaginárias
sem mendicidade
sem saudade
na cidade,

Limito-me a quatro paredes
de ardósia
e ao cheiro do mar,

sentado
não sabendo
que sendo amado
vou lendo...
um livro cansado,

ao acordar,

e ao cheiro do mar,

limito-me sofrendo não sofrer
sem perceber que a noite é como a morte
sem sorte
dentro de um corredor profundo
o mundo
ao adormecer.

segunda-feira, 30 de abril de 2012

A tarde


Não conheço a menina de lado algum, tão pouco a matrafona que a acompanha,
- Olá eu sou o Vasco, Qual Vasco “Caralho”?, E que eu saiba não existe nenhum Vasco na minha vida, e não entendo a razão destes dois parvalhões, durante a noite, descerem até mim e entrarem nos meus sonhos,
A menina aproxima-se, aproxima-se em silêncios de amêndoa quando a primavera rompe as montanhas e do rio ensanguentado de pólen uma abelha saltita à procura das sílabas do mar, o parvalhão do Vasco olha-me entre dois pedaços de marmelada e queijo de cabra, oiço da fazenda contigua ao palheiro os gemidos do bode, Raios o partam Grita a menina de mão dada ao Vasquinho,
- Qual Vasco “Caralho”?,
O chibo irritado às marradas contra o canastro plantado no canto esquerdo da eira, sento-me e começo a sentir a afamada comichão dos resíduos do milho, imagino o meu avó, imagino o tio Serafim, imagino os velhos com esqueletos transparentes às voltas com o malho, e uma finíssima poeira entra dentro de mim,
- E por instantes esqueço os dois parvalhões que me visitam durante a noite, a menina e o Vasquinho, e em frente ao espelho do guarda-fato vejo-me em Carvalhais – S. Pedro do Sul, e oiço o bater do malho na eira, e em gestos desorganizados digo ao meu avó Domingos (que se enervava com o nome porque dizia que Domingos era nome de preto e que todos os pretos se chamavam Domingos), e digo ao meu avó Domingos que para a tarde terminar em beleza apenas faltam os Fingertips, Que tal Avó?,
É o que eu te digo meu filho Arranja uma gaja rica, E calo-me porque não foi isso que lhe perguntei, E calo-me porque essas coisas de riqueza...,
- Prefiro mesmo ouvir os Fingertips,
Portanto à questão do porquê da visita de dois parvalhões durante o meu sonho, a menina e o Vasco,
- Olá Eu sou o Vasquinho!,
Qual Vasco “Caralho”? Arranja mas é uma gaja rica e deixa-te de “merdas”.


(texto de ficção não revisto)

Ubuntu 12.04 LTS

Aos olhos

Aos olhos
a paixão pigmentada do cansaço
o murmúrio das palavras
em sexo num vão de escada
gemidos descem do sótão
como crianças embriagadas no berço da tarde

aos olhos
dos olhos
a literatura com chá e torradas
e sumo de laranja

e palavras

e murmúrios

aos olhos

aos olhos
o silêncio da noite
dentro de uma caixa de sapatos
sem janelas
sem gatos
aos olhos

e palavras

e murmúrios

e conversa fiada.

Também sou humano

Também sou humano
tenho pernas e braços
e preciso de comer,
também sou humano
tenho pernas e braços
e preciso de viver,

também sou humano
tenho pernas e braços
e preciso de caminhar,
também sou humano
tenho pernas e braços
e preciso de trabalhar.

domingo, 29 de abril de 2012

Com asas

Um cachimbo com asas
abraçado a uma pomba tricolor
uma fogueira sem brasas
que beija as pétalas de uma flor

um cachimbo com asas
mergulhado no oceano do cansaço
um cachimbo rasca
à rasca
na sombra de um abraço

sem brasas
o cachimbo adormece sobre um livro doente
o cachimbo é eterno e infinitamente mente
com asas

um cachimbo prateado
cansado
moribundo
coitado do “Edmundo” (e não conheço nenhum)
chega a casa e sente
os gemidos do cachimbo doente
que infinitamente mente
que infinitamente com asas
em brasas
os lábios da sua amante
prateado
coitado

coitadinho do cachimbo
no limbo
sem sorte
à espera pacientemente da morte
coitado
deitado

com asas.

Vida sofrer

A esta miséria viver
a que chamam de vida sofrer

caminhar numa rua sem saída

a esta miséria viver
quando escrevo um poema sobre o mar
a que chamam de vida sofrer
a que chamam silêncio de amar.