quinta-feira, 29 de agosto de 2024

 

Milhões de vozes comem o meu corpo, milhões de palavras aprisionam os pássaros do meu corpo,

E eu preciso tanto, do teu corpo

Submerso na escuridão de milhões de vozes,

Que comem as palavras do meu corpo,

Quando eu quero

O teu corpo,

No meu corpo.

 

Milhões de beijos disparam mil palavras

Contra o meu

Corpo,

No teu corpo, embalsamados pelo desejo.

Milhões de livros,

Escrevem uma estória,

Memória,

Milhões de vaginas desconhecem o prazer do poema, quando ejacula na penumbra, o silêncio.

 

Milhões de mortos, são soldados

São crianças à procura da mãe,

Antes que acorde a noite.

 

Milhões de canções que descem sobre o meu corpo, sempre que um rio respira, transpira a noite sovacos de amêndoa, depois é o dia

Odiar-te.

 

Depois é noite

Há noite há noite nos teus lábios

Amar-te.

 

Depois são os milhões de electrões no esperma do pôr-do-sol, depois é o cansaço, de amar-te. Desejar-te. Eu morrer nos teus braços

Hoje.

Incandescente néon que só os teus olhos conseguem desenhar nos olhos de uma criança. Depois é a noite, são milhões de estrelas nos teus olhos,

São triliões de sonhos,

No teu cabelo.

 

Escrevo-te porque te amo, mas de nada me serve escrever-te,

Sabendo que a tarde é apenas na tua mão uma nuvem de sono.

 

Dorme. Dorme minha menina.

Sobre a espada coloca o peito, e milhões de veias, uma desgraça,

A mão do jacaré na despedida da tarde,

Dorme, dorme minha menina.

 

E milhões de rios e de mares tem o meu corpo, barco de olhos verdes, vestido de cânfora manhã

O café estava bom, saboroso

A manhã nos teus olhos.

E milhões de ervas, daninhas, escrevem no meu corpo, escrevem os teus medos e os teus, delírios

Vejam lá, os senhores.

Vejam lá.

 

Milhões de fotografias, tem o meu corpo. E comem, o meu corpo.

Milhões de lábios tem o teu mamilo, minha menina

E milhões de flores que dormem no teu cabelo,

São tão ou mais loucas, do que eu

Eu.

Eu que sou um milhão de parvo, há fogo de artificio, milhões de labaredas descem sobre a cidade,

A cidade sorri, e brinca

Nos teus lábios, milhões de promessas, de estrelas

No céu da tua tristeza.

 

Milhões de barcos no mar do meu peito, sofro tanto,

Milhões de medos são a jangada para eu atravessar a saudade, e o desejo

Milhões, minha menina, dorme, dorme, minha menina

No sono desta canção.

Milhões, milhões de homens, milhões de mulheres, homens, que desejam mulheres

Mulheres que desejam homens

Que desejam homens,

Mulheres,

Mulheres que desejam mulheres,

Milhões de beijos.

Milhões de mim

Que comem o meu corpo.

 

Milhões de ti, são a Primavera.

 

São os olhos de uma fogueira.

 

O comandante deste navio só pode estar louco, quer levar-me deste inferno,

tenho medo, que ele me queira comer. Saciar-se com a minha triste, magreza.

Escrevo-te cartas. Envio-te, palavras.

O mais certo é elas não chegarem a ti, como sempre, em toda a minha vida,

Saltitei de endereço em endereço, e o mais preocupante, todos eles, endereços errados. A minha vida

é um endereço,

transverso, e errado.

Um perfeito dia, para mim, era beijar-te.

E esquecer o comandante deste navio.

 

Já pedi a deus e às estrelas e à noite, já pedi até à lua, um pouco mais de sossego, um pouco mais de alegria

mas cada dia

não é poesia,

cada dia é um tormento, é um tornado, que balança o teu cabelo loiro, sobre o mar.

Nunca falei contigo sobre o mar, tão pouco sei se gostas do mar, se gostas de livros, se gostas de poesia, se gostas de mim…

cinema!

Talvez, sim.

Talvez um dia

percebas que o comandante deste navio,

só pode estar louco.

 

E quer levar-me. E quer.

O que faço, meu Deus?

Vou?

Assassino o comandante?

E fico, com o navio, triste. Só. Perdido nos braços da maré mais linda do Oceano; tu.

O que faço?

Cintilam as pedras nos braços da manhã, e sempre que posso, faço-o, ler antes de sair de casa, um pequeno poema.

Talvez seja a minha oração. A cada dia sinto que o comandante deste navio me quer comer, alimentar-se da poesia que fui semeando ao longo dos anos.

 

Aqui. E ali.

E mesmo assim, sou acorrentado a uma sombra de giz. Tenho tanto medo, meu deus, tenho tanto medo, que o comandante deste navio me leve, e nunca mais

Veja os teus olhos na fimbria manhã.

Marés de espuma

 

São marés de espuma

são as ausências do meu corpo

são as flores do teu cabelo

quando o mar me pertence

e só meu

escondo-o na mão.

 

São estrelas, são feitiços os teus lábios

são presépios de luz

sobre os plátanos da avenida…

São o pôr-do-sol os teus olhos

que se afastam dos meus olhos

quando o dia é Primavera.

 

aqui sou um pássaro desgovernado, uma nuvem pincelada de luz,

aqui,

tenho o som do silêncio

quarta-feira, 28 de agosto de 2024

há muito que não te escrevo. hoje lembrei-me de ti, rectifico, quase todos os dias me lembro de ti, e espero que me entendas o quão difícil é recordar-te, recordar o teu último sorriso que desenhaste na minha mão. digo-te já que não tenho feito muitas coisas úteis, coisas que os outros gostavam que eu fizesse,

mas eu, mãe,

eu nunca as farei; porquê?

não o sei, mas nunca, nunca as farei.

 

deixei de te ir visitar ao cemitério e de te pôr flores. vou lá esporadicamente, muito pouco

já não suportava aquilo, que era um martírio para mim. deixei de te mandar rezar missas, missas pela vossa alma, mas que alma? não acredito em alma, em nada, após a morte.

morremos e pronto.

se eu tivesse alma, acredita, mãe, já a tinha vendido ao vizinho que tem um burro. para que eu queria uma alma?

 

já quase não me apetece sair de casa. fico a ler ou a escrever. olha, leio mais de mil páginas por mês, e não me sinto cansado, nem farto de ler. Estou a ler toda a obra de louise gluck e cada vez mais gosto de poesia. é uma paixão.

trabalho, casa, casa, trabalho. vou com a cristina às compras, que confesso, está a ser uma experiência agradável, que é uma seca, é. vocês mulheres gostam de comparar os preços, porque este é mais barato do que aquele, porque isto, porque aquilo…, porque aquele é melhor do que este, e para mim, mãe, é tudo arroz, ou feijão, ou grão. sois umas chatas.

mas gosto.

 

daqui a pouco é inverno novamente e recordo a primeira parvoíce que fiz quando cheguei a alijó. tinhas uma braseira na sala, tinha nevado, e eu estupidamente enchi uma caixa de sapatos vazia com neve e deitei-a na braseira.

nunca tinha visto neve, e tão pouco, sabia o que era uma braseira.

e acredita, mãe, hoje dava todo o pouco que tenho para novamente na tua frente lançar sobre a tua braseira

uma caixa de sapatos cheia de neve.

 

e dizias-me para eu acreditar e nunca desistir!


inferno

 

a tela come-o depois de pincelar o horizonte com os pedaços sobejantes da noite, o pó

das estrelas, morna o cansaço do destino,

perfila em sinfonia

 

o olhar das camélias. e deste jardim de cornudos

ovem-se os esqueletos transversos da memória.

sei que estou vivo, apenas porque escrevo,

e sinto no corpo, o orvalho matinal.

 

quero fugir deste inferno sifilítico de viver

sobre as amoradas sem céu alcançado, depois

uma mistura de pedra e madeira

 

esconde-se dentro do círculo de luz com olhos verdes.

o medo é uma constante, é um delírio

antes de regressar a morte aos meus pés.

Marés de espuma

 


São marés de espuma

são as ausências do meu corpo

são as flores do teu cabelo

quando o mar me pertence

e só meu

escondo-o na mão.

 

São estrelas, são feitiços os teus lábios

são presépios de luz

sobre os plátanos da avenida…

São o pôr-do-sol os teus olhos

que se afastam dos meus olhos

quando o dia é Primavera.