há muito que não te
escrevo. hoje lembrei-me de ti, rectifico, quase todos os dias me lembro de ti,
e espero que me entendas o quão difícil é recordar-te, recordar o teu último
sorriso que desenhaste na minha mão. digo-te já que não tenho feito muitas
coisas úteis, coisas que os outros gostavam que eu fizesse,
mas eu, mãe,
eu nunca as farei;
porquê?
não o sei, mas nunca,
nunca as farei.
deixei de te ir visitar
ao cemitério e de te pôr flores. vou lá esporadicamente, muito pouco
já não suportava aquilo,
que era um martírio para mim. deixei de te mandar rezar missas, missas pela
vossa alma, mas que alma? não acredito em alma, em nada, após a morte.
morremos e pronto.
se eu tivesse alma,
acredita, mãe, já a tinha vendido ao vizinho que tem um burro. para que eu
queria uma alma?
já quase não me apetece
sair de casa. fico a ler ou a escrever. olha, leio mais de mil páginas por mês,
e não me sinto cansado, nem farto de ler. Estou a ler toda a obra de louise
gluck e cada vez mais gosto de poesia. é uma paixão.
trabalho, casa, casa,
trabalho. vou com a cristina às compras, que confesso, está a ser uma
experiência agradável, que é uma seca, é. vocês mulheres gostam de comparar os
preços, porque este é mais barato do que aquele, porque isto, porque aquilo…,
porque aquele é melhor do que este, e para mim, mãe, é tudo arroz, ou feijão,
ou grão. sois umas chatas.
mas gosto.
daqui a pouco é inverno
novamente e recordo a primeira parvoíce que fiz quando cheguei a alijó. tinhas
uma braseira na sala, tinha nevado, e eu estupidamente enchi uma caixa de
sapatos vazia com neve e deitei-a na braseira.
nunca tinha visto neve, e
tão pouco, sabia o que era uma braseira.
e acredita, mãe, hoje
dava todo o pouco que tenho para novamente na tua frente lançar sobre a tua
braseira
uma caixa de sapatos cheia de neve.
e dizias-me para eu
acreditar e nunca desistir!
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