terça-feira, 27 de agosto de 2024

 

éramos dez, faltavam dois dos apóstolos. não fomos juntos mas encontramo-nos todos na festa de lavandeira, capital da marrã e do churrasco, em carrazeda de ansiães.

era setembro e a noite estava bastante agradável.

o gijon acabava de nos convidar para comermos marrã e um bom churrasco, umas cervejas e a noite ficava a pertencer ao domínio da saudade.

alguns de nós questionamo-nos como era possível o gijon ter dinheiro, quando nunca tinha dinheiro; esquecemos o assunto e procuramos uma barraca onde se encontrasse uma mesa livre.

pedimos bebidas. pedimos marrã e churrasco, construímos pequenas estátuas com o miolo do pão e quase nos embebedemos.

tínhamos conseguido o milagre do pão e do vinho.

algum tempo depois, em termo de segredo, o gijon aconselha-nos a levantar da mesa e a sairmos um por um;

saí eu, saiu o mosca, saiu o espadinha, saiu o leirão, saiu o gomes… e saímos todos,

ficou apenas ele.

pediu mais uma cerveja e puxou de um cigarro.

quando percebeu que o dono da barraca e os respectivos funcionários estavam distraídos, foi vagarosamente colocando as travessas e as garrafas vazias na mesa atrás dele, que pertencia a outra barraca, a outro dono e a outros funcionários.

chamou a menina, pediu a conta,

ela disse que faltava apenas pagar uma cerveja, o gijon pagou a cerveja, levantou-se e ainda teve tempo de se despedir…

quando nos encontramos, ele;

mais um camelito.


o gijon foi (o maior sacana) que eu conheci e de quem sou amigo.

gosto muito dele.

 

o silêncio é um corpo estranho, dentro de um outro corpo, estranho

enquanto uma sombra se suicida na espuma do dia

também ela,

estranha

também ela,

poesia

 

O poeta acaba de ser despedido. Tem meia dúzia de cêntimos na algibeira, outros tantos na conta bancária,

 

Traz o Lunário de Al Berto no porta-luvas do carro,

Fuma um cigarro, pensa no que vai fazer:

 

Beno saboreia o corpo de loirinho e de periquito na esplanada de um bar,

E percebe-se pela rouquidão da voz,

Que um fio de sémen sufocou a manhã.

 

(primeira parvoíce do dia)

 


uma navalha esquece-se na espuma do meu rosto, e cada cabelo da barba caindo

é um pedaço de maresia,

e ontem vimos a lágrima do rochedo

acreditando nós

que brevemente,

será primavera no orgasmo da madrugada.

se assim não o for

estaremos todos fodidos.

hoje, não tenho sono. enquanto saboreias o sono nos lençóis da infinidade claridade

da primeira lágrima da manhã, hoje,

não tenho sono. leio um poema de louise gluck

e percebo que nunca serei um poeta.

 

o muito que eu seja, não passarei de um charlatão, um tipo desajeitado, que procura o não procurado,

a cada estrela que morre.

e mesmo assim,

querem que eu ainda seja menos daquilo que eu sou, daquilo que eu fui.

 

carvalhais, já não está. o avô domingos, esse, há muito que deixou de estar.

o meu pai, também partiu numa noite de verão,

e a minha mãe,

voou em direcção ao nada,

levando-me no seu coração.

 

estou só. eu e tu,

já nada me dá prazer, nada. quase que nem os livros. leio apenas para me manter vivo, leio apenas para que eu possa respirar, e o meu corpo

sitiado numa pequena sílaba,

sinta o mar.

 

das poucas coisas que me dão prazer;

pegar na tua mão e acariciar a tua coxa,

e fumar, não ter prazer

é o mais provável de viver. e mesmo assim

 

ainda tenho prazer em escrever.


É quase dia, meu amor

 

Aqui recebo o dia vindo da tua mão

É quase dia, meu amor

É quase tudo, quando nos teus olhos um silêncio de espuma me espera

E me grita,

É quase dia, meu amor!

 

É quase tudo.

segunda-feira, 26 de agosto de 2024

Do teu olhar

 

Quero escrever um poema no teu corpo, meu amor

No teu corpo, meu amor, um poema de mar

Quero escrever um silêncio, nos teus lábios, meu amor

Um silêncio de amar

Meu amor, flor em luar

 

Quero desenhar no teu corpo, meu amor

A cânfora manhã do teu olhar, meu amor…

No teu olhar o salgado mar…

Do teu olhar em dor