Conversamos então,
Meu amigo,
Conversamos sobre esta
vida,
Desta vida,
Meu amigo,
Conversamos sobre os
pássaros da minha infância,
Dos barcos da minha
infância,
Conversamos então,
Meu amigo,
Conservamos sobre o mar,
O mar da minha infância…
Ai meu amigo…
Conservamos então,
Conservamos sobre as
flores que se apaixonam por poetas,
Conservamos então,
Meu amigo,
Conversamos sobre os
poetas que se apaixonam pelas palavras…
E as palavras que se
apaixonam pela amante do poeta,
Mas sabes, meu amigo…
Conversamos então,
Conservamos sobre a
amante do poeta que está apaixonada…
Apaixonada pela mão do poeta,
Da mão de onde nascem as palavras,
Do poeta, meu amigo,
Do poeta.
Deste teu poeta, meu
amigo…
Conversamos então, meu
amigo,
Conversamos sobre o meu
pai,
Meu amigo,
Conversamos então…
Conversamos sobre o meu
pai,
E não há muito a conversar…
Mudou de residência…
Conversamos então, meu
amigo,
Conversamos então sobre a
tua mãe…
Conversamos então,
E quanto a ela,
Também mudou de
residência,
E sabes, meu amigo,
Concluo que ambos mudaram
de residência,
E devem estar muito
felizes…
Eu, meu amigo,
Já quase não vou ao
cemitério…
Cansei-me,
E sabes, meu amigo,
Comecei a vender umas
merdas que pinto…
Qualquer dia vendo poemas,
Sim, pá,
Poemas,
Não sabes o que são
poemas?
Vendo-os a retalho e a
cinco suaves prestações,
Fixas,
Sem juros…
Porque meu amigo,
Tu conheces-me…
Não sou desses,
Depois,
Depois das poucas vezes
que passo por ti…
Dou-te as boas-horas…
E um dia vamos inventar
uma máquina de escrever poemas…
Percebes?
Uma pequena caixinha,
A menina apaixonada
insere a moeda na ranhura…
Dá à manivela…
E poemas, muitos poemas…
E os poemas, meu amigo,
Os poemas às vezes
atiram-nos (aos poetas) para a fogueira…
Sabes, meu amigo,
Em puto, era o gajo mais
ranhoso de Luanda,
Mais chato,
Mais…
Mimado?
(Eu sei te lá)
Não o sei…
Mas era amado,
Quando era puto,
Obrigava o meu pai… a ir
comigo olhar os barcos…
Entrava no cacilheiro em
Cais do Sodré,
Despedia-se a tarde de
mim…
E acordava em Cacilhas no
Quartel errado,
O que se há-de fazer, meu
amigo…
Eu e o meu pai sentávamo-nos
no chão,
E eu,
Que alegria, meu amigo,
Que alegria estar duas ou
três horas a olhar para os barcos…
Tão grandes e tão altos,
pai…
E sabes, meu amigo,
Quando me trouxeram…
Tive medo,
Chorei muito…
Quando a cidade
desparecia de mim…
E tudo se transformou
numa só imagem; uma sombra e um punhado de lágrimas…
Mas… não sei, meu amigo,
Não o sei,
Mas tenho saudades das
nossas conversas…
E dos desenhos
tridimensionais que descrevias no silêncio.
Alijó, 16/05/2023
Francisco Luís Fontinha