quinta-feira, 18 de maio de 2023

Janela do teu olhar

 Ponho-me à janela,

À janela da vida,

Desta vida,

Quando viva,

Viva esta vida,

Desta vida à janela,

Desta janela,

Da vida,

Em vida…

 

Ponho-me à janela,

Desta vida,

Enquanto viva,

Desta vida de mar,

No mar da vida,

Enquanto vida,

No mar…

Quando poisa o silêncio nas tuas mãos…

 

Ponho-me à janela,

Enquanto janela do teu olhar…

Na janela viva,

Que viva esta vida,

Ponho-me à janela,

Da janela da vida…

Ponho-me à janela do teu olhar,

Enquanto janela do teu olhar,

Da janela…

Enquanto vida,

A vida,

Por vezes…

Sem vida.

 

 

 

Alijó, 18/05/2023

Francisco Luís Fontinha

Meu amor dos teus olhos

 Deito-me nos teus olhos,

Teus doces olhos de mar,

Teus lábios de mel,

Nas mãos deste poema,

Deito-me, meu amor, nos teus olhos…

Quando nos teus olhos brincam as estrelas do silêncio,

Deito-me nos teus olhos,

Meu amor,

Enquanto dentro do mar

Perde-se o meu coração,

Deito-me nos teus olhos,

Meu amor,

Deito-me sabendo que o vento me leva…

Desta sanzala de desejo,

Deito-me, deito-me nos teus olhos,

Teus olhos de mar.

 

 

 

Alijó, 18/05/2023

Francisco Luís Fontinha

Palavras do silêncio

 Abraça-me,

Abraça-me noite incandescente

Dos lábios em luar,

Abraça-me,

Estrela cintilante…

Na boca do mar.

 

Abraça-me,

Insónia tempestade,

Abraça-me silêncio das palavras,

Dos poemas e da saudade,

Abraça-me enquanto estão vivas

As tristes madrugadas.

 

Abraça-me,

Mulher negra da minha terra de embondeiro,

Abraça-me,

Abraça-me meu destino peneirento…

Enquanto as árvores morrem

E choram junto ao ribeiro.

 

 

 

Alijó, 18/05/2023

Francisco Luís Fontinha

Crianças

 Enquanto esta pequena folha de papel vagueia nos meus olhos,

Há crianças que morrem de fome,

De doença,

Pela guerra…

São os filhos da ganância,

São os filhos sem voz,

São os filhos da ignorância,

 

Enquanto olho esta pequena folha de papel,

Há crianças que são violadas,

Crianças maltratadas,

Enquanto escrevo nesta pequena folha de papel,

Há crianças,

Umas felizes,

Outras infelizes…

E há crianças mimadas.

 

 

 

Alijó, 18/05/2023

Francisco Luís Fontinha

terça-feira, 16 de maio de 2023

As lâminas onde habitam cartas

 Fascina-me o xisto,

Minha querida,

Não sei…, mas… muitas lâminas…

Em cada lâmina, está uma carta escondida,

E sabes, minha querida,

Dentro de cada carta está uma morada,

E nessa morada,

Talvez esteja Deus…

 

Fascina-me o xisto,

E todos tivemos um Tablet (lousa) topo de gama…

Só na Casa Grifo,

Bom e barato.

 

Não, minha querida,

Não gosto do xisto apenas pela paisagem do nosso Douro…

Não,

Começo a ficar cansado de olhar tantos socalcos.

Como de tudo, minha querida…

Começo a ficar cansado…

Mas o xisto,

O xisto fascina-me…

Claro está, minha querida,

Claro está que o xisto nunca será jóia de adorno de uma mulher,

Porque é feia…

(a jóia construída em xisto, não a mulher)

Só se esta jóia servir apenas para a mulher atirar à cabeça do filho da puta que a espanca…

E aí, a jóia construída de xisto…

Seria a jóia mis linda do Universo…

Mas Deus não quer

E leva os bons e deixa os filhos da puta…

Tanto filho da puta.

 

Por aí,

Andando à caça de algo extraordinário…

(dizem que esta zona é boa em caça)

Algo de extraordinário, minha querida…

Tipo…

Tipo uma vaca com três cabeças e que dorme todas as noites sobre o Plátano de Alijó?

Que escândalo, meu querido…

Porque a vaca tem três cabeças?

Porque a vaca com três cabeças dorme todas as noites sobre o Plátano de Alijó…?

Não meu querido…

Aumentou novamente a gasolina.

 

Fascina-me o xisto,

Minha querida,

Não sei…, mas… muitas lâminas…

Em cada lâmina, está uma carta escondida,

E sabes, minha querida,

Dentro de cada carta está uma morada,

E nessa morada,

Talvez esteja Deus…

E se não estiver…

Espera que ele apareça.

 

 

 

 

Alijó, 16/05/2023

Francisco Luís Fontinha

Dos amigos

 Conversamos então,

Meu amigo,

Conversamos sobre esta vida,

Desta vida,

Meu amigo,

Conversamos sobre os pássaros da minha infância,

Dos barcos da minha infância,

Conversamos então,

Meu amigo,

Conservamos sobre o mar,

O mar da minha infância…

 

Ai meu amigo…

Conservamos então,

Conservamos sobre as flores que se apaixonam por poetas,

Conservamos então,

Meu amigo,

Conversamos sobre os poetas que se apaixonam pelas palavras…

E as palavras que se apaixonam pela amante do poeta,

Mas sabes, meu amigo…

Conversamos então,

Conservamos sobre a amante do poeta que está apaixonada…

Apaixonada pela mão do poeta,

Da mão de onde nascem as palavras,

Do poeta, meu amigo,

Do poeta.

 

Deste teu poeta, meu amigo…

Conversamos então, meu amigo,

Conversamos sobre o meu pai,

Meu amigo,

Conversamos então…

Conversamos sobre o meu pai,

E não há muito a conversar…

Mudou de residência…

Conversamos então, meu amigo,

Conversamos então sobre a tua mãe…

Conversamos então,

E quanto a ela,

Também mudou de residência,

E sabes, meu amigo,

Concluo que ambos mudaram de residência,

E devem estar muito felizes…

 

Eu, meu amigo,

Já quase não vou ao cemitério…

Cansei-me,

E sabes, meu amigo,

Comecei a vender umas merdas que pinto…

Qualquer dia vendo poemas,

Sim, pá,

Poemas,

Não sabes o que são poemas?

Vendo-os a retalho e a cinco suaves prestações,

Fixas,

Sem juros…

Porque meu amigo,

Tu conheces-me…

Não sou desses,

Depois,

Depois das poucas vezes que passo por ti…

Dou-te as boas-horas…

E um dia vamos inventar uma máquina de escrever poemas…

Percebes?

Uma pequena caixinha,

A menina apaixonada insere a moeda na ranhura…

Dá à manivela…

E poemas, muitos poemas…

 

E os poemas, meu amigo,

Os poemas às vezes atiram-nos (aos poetas) para a fogueira…

Sabes, meu amigo,

Em puto, era o gajo mais ranhoso de Luanda,

Mais chato,

Mais…

Mimado?

(Eu sei te lá)

Não o sei…

Mas era amado,

 

Quando era puto,

Obrigava o meu pai… a ir comigo olhar os barcos…

Entrava no cacilheiro em Cais do Sodré,

Despedia-se a tarde de mim…

E acordava em Cacilhas no Quartel errado,

O que se há-de fazer, meu amigo…

Eu e o meu pai sentávamo-nos no chão,

E eu,

Que alegria, meu amigo,

Que alegria estar duas ou três horas a olhar para os barcos…

Tão grandes e tão altos, pai…

 

E sabes, meu amigo,

Quando me trouxeram…

Tive medo,

Chorei muito…

Quando a cidade desparecia de mim…

E tudo se transformou numa só imagem; uma sombra e um punhado de lágrimas…

Mas… não sei, meu amigo,

Não o sei,

Mas tenho saudades das nossas conversas…

E dos desenhos tridimensionais que descrevias no silêncio.

 

 

 

 

 

Alijó, 16/05/2023

Francisco Luís Fontinha