terça-feira, 16 de maio de 2023

Dos amigos

 Conversamos então,

Meu amigo,

Conversamos sobre esta vida,

Desta vida,

Meu amigo,

Conversamos sobre os pássaros da minha infância,

Dos barcos da minha infância,

Conversamos então,

Meu amigo,

Conservamos sobre o mar,

O mar da minha infância…

 

Ai meu amigo…

Conservamos então,

Conservamos sobre as flores que se apaixonam por poetas,

Conservamos então,

Meu amigo,

Conversamos sobre os poetas que se apaixonam pelas palavras…

E as palavras que se apaixonam pela amante do poeta,

Mas sabes, meu amigo…

Conversamos então,

Conservamos sobre a amante do poeta que está apaixonada…

Apaixonada pela mão do poeta,

Da mão de onde nascem as palavras,

Do poeta, meu amigo,

Do poeta.

 

Deste teu poeta, meu amigo…

Conversamos então, meu amigo,

Conversamos sobre o meu pai,

Meu amigo,

Conversamos então…

Conversamos sobre o meu pai,

E não há muito a conversar…

Mudou de residência…

Conversamos então, meu amigo,

Conversamos então sobre a tua mãe…

Conversamos então,

E quanto a ela,

Também mudou de residência,

E sabes, meu amigo,

Concluo que ambos mudaram de residência,

E devem estar muito felizes…

 

Eu, meu amigo,

Já quase não vou ao cemitério…

Cansei-me,

E sabes, meu amigo,

Comecei a vender umas merdas que pinto…

Qualquer dia vendo poemas,

Sim, pá,

Poemas,

Não sabes o que são poemas?

Vendo-os a retalho e a cinco suaves prestações,

Fixas,

Sem juros…

Porque meu amigo,

Tu conheces-me…

Não sou desses,

Depois,

Depois das poucas vezes que passo por ti…

Dou-te as boas-horas…

E um dia vamos inventar uma máquina de escrever poemas…

Percebes?

Uma pequena caixinha,

A menina apaixonada insere a moeda na ranhura…

Dá à manivela…

E poemas, muitos poemas…

 

E os poemas, meu amigo,

Os poemas às vezes atiram-nos (aos poetas) para a fogueira…

Sabes, meu amigo,

Em puto, era o gajo mais ranhoso de Luanda,

Mais chato,

Mais…

Mimado?

(Eu sei te lá)

Não o sei…

Mas era amado,

 

Quando era puto,

Obrigava o meu pai… a ir comigo olhar os barcos…

Entrava no cacilheiro em Cais do Sodré,

Despedia-se a tarde de mim…

E acordava em Cacilhas no Quartel errado,

O que se há-de fazer, meu amigo…

Eu e o meu pai sentávamo-nos no chão,

E eu,

Que alegria, meu amigo,

Que alegria estar duas ou três horas a olhar para os barcos…

Tão grandes e tão altos, pai…

 

E sabes, meu amigo,

Quando me trouxeram…

Tive medo,

Chorei muito…

Quando a cidade desparecia de mim…

E tudo se transformou numa só imagem; uma sombra e um punhado de lágrimas…

Mas… não sei, meu amigo,

Não o sei,

Mas tenho saudades das nossas conversas…

E dos desenhos tridimensionais que descrevias no silêncio.

 

 

 

 

 

Alijó, 16/05/2023

Francisco Luís Fontinha

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