quinta-feira, 20 de abril de 2023

Das tuas palavras de silêncio

 Da janela ouvem-se os passos apressados dos transeuntes que acabam de regressar da ribeira da paixão, uma cesta com flores dorme suavemente junto ao parapeito, sobre uma pequena mesa de insónia, pego na tua mão, olho-te, tu olhas-me, e acabamos de construir duas estátuas de sono, suspensas pelo olhar,

Amar-te-ei, dizes-me

Amar-te como se amam as palavras quando o poeta as semeia numa pequena e simples folha em papel,

Depois,

Da janela, da minha janela, onde passo as tardes a contabilizar a entrada e a saída de todos os barcos rumo ao desconhecido,

Amas-me?

Perguntas-me enquanto pego na tua mão e na ausência de um crucifixo suspenso nesta parede em gesso e olhos de saudade,

Saudade,

O que é saudade, meu amor?

De ti,

Oiço-te quando se ergue a manhã na alvorada do cansaço, podia escrever-te quando esta começa, mas prefiro deitar a cabeça no teu peito, cerrar os olhos… e inventar um pequeno sorriso nos teus seios.

Alguém se esqueceu de mim, ouvia-se-lhe daquela boca semiaberta mais parecendo o porão de um velho petroleiro, que durante os fins-de-semana deambula pelo corredor da casa.

Não temos vidros nas janelas. A porta de entrada, de tão velha e rabugenta, agora começa a padecer do maldito reumático e outras coisas mais,

As coisas que eles inventam, quando se trata de reconhecer a verdade de um sorriso e o silêncio de um olhar.

Podia.

Mas não quero.

E claro que podia,

Podia escrever-te quando se ergue o dia, podia deixar as minhas últimas palavras sobre a fronha da almofada, podia encharcar-me de shots e voar sobre o mar, podia vestir-me de palhaço e de terra em terra… fazer fortuna.

Vê lá, menina do mar… até podia ser uma abelha e de flor em flor, tal como o palhaço, fazer fortuna. Mas fortuna não é comigo.

Não nasci para ser rico. E de rico nada tenho.

Não sou rico em peso.

Não sou rico nas palavras.

Perguntas-me o que fazer à cesta com as flores; deixá-las dormir ou acordá-las…

Tanto faz.

Daqui a alguns dias, nem flores são.

São uma sombra de beijos junto às amuradas e que nas mãos transportam a solidão.

Porquê eu, perguntas-me…

Porquê ele?

Vou desenhar-te,

Como assim, desenhar-me?

Tanto faz,

Sabendo que da minha janela oiço o silêncio travestido de Diabo e que Deus anda a brincar com as minhas mãos, podia, claro que podia

Mas não o faço.

Alegre-te meu rapaz!

Olha, perdeste o comboio para Belém.

Porque choravam as acácias nunca me respondeu ele.

Mas também o meu pai era um pouco estranho…

Como tu?

Eu, eu estranho?

Vestem-se de cinzento e vão todas as manhãs de sábado para a feira do Relógio vender quadros pintados à mão, desenhos desenhados com o olhar… e poemas pincelados com os lábios

Os beijos?

Magoados beijos de alecrim.

Mais tarde, depois do almoço, visitava-nos o senhor Alfredo, um charlatão de um gato e um gato em penhoras de ausência

Amas-me?

Da rua contígua ouvem-se os passos apressados dos exilados poéticos, que por razões de paixão tiveram de abandonar a cidade,

Até que um dia o relógio de parede nunca mais se ouviu;

Morreu de saudade, conclui o médico legista depois de efectuar a referida autópsia.

Coitado do velho relógio,

Coitado dele.

Primeiro as pessoas,

Depois as pessoas,

Mais tarde,

O sino encerra a palestra dos tristes dias em poesia.

Desenho nos teus lábios o beijo, escrevo no teu peito o mais belo poema de amor, como se apenas os poemas de amor fossem belos, quando tu sabes que…

Me amas?

Quando tu sabes que a beleza existe até nas palavras mais ruins…

O que entendes por palavras ruis, meu amor?

Palavras.

Tristes palavras do teu olhar.

E enquanto acaricio o teu corpo, uma lâmina de chuva de estrelas brinca na tua mão, tenho a certeza que quando pego nela, que quando aprisiono a tua mão, o meu corpo se traveste de paixão e apenas acorda quando um pedacinho do mar dos teus lábios poisa nos meus lábios,

E do mel dos teus lábios,

As abelhas,

Em flor,

Da tua mão,

Meu amor.

O mar está revolto, as minhas mãos trémulas seguram este copo de uísque, na outra mão o maldito cigarro que não se cansa de mim nem eu me canso dele,

Ainda fuma, senhor Francisco?

Olhe para ela…

Pois olho, doutora, pois olho…

Ela nunca fumou!

E morreu.

Deito-me.

Abraço-te no silêncio da noite enquanto sei que um qualquer poeta/jardineiro tratará do teu belo jardim, como se os jardins fossem eles todos belos, como são belos os poemas de amor.

Do teu cabelo, a minha mão de mamífero desengonçado,

Milhafre negro,

Olho encarnado.

Mais tarde, quando acordávamos, um fio de sémen escondia-se sobre o rendado lençol da manhã na companhia de outros fluidos,

Da mecânica,

Escondias nos seios a equação de Bernoulli, da tua mão, meu amor,

Tarde demais.

Um dia serei.

Ontem fui.

Não quero mais esta esta ausência de silêncios e de fotografias sobre a secretária,

Imagina-me sentado em frente ao mar…

Imagina-me poisando a cabeça no teu peito, e com os meus lábios, desenhar o mais belo pôr-do-sol,

Consegues imaginar, meu amor?

Claro que não,

Claro,

Não consigo.

Peso-me. Cinquenta e nove quilos, e com mais olhos de que barriga

Fui.

Parti em direcção ao nada.

A ausência.

A primeira palavra dita; filho da puta

O senhor prior não queria acreditar,

O meu avô Francisco a ser baptizado com dois anos e quando o senhor sacerdote o lança à água

Filho da puta.

Tal pai, tal filho

Onde me esperas, meu amor?

Escrevo-te sem saber que te escrevo.

Mato-me todas as noites

Ainda não morri.

Da janela ouvem tiros, berros e…

Deus queira, ajuda-me meus Deus

E Deus não a ajudou.

Nem a ele nem a ela.

(que se foda, que me desculpem aqueles que…)

Martírio destino, jardim dos enforcados.

Depois,

Beijo-te loucamente na presença do raioso Sol de Primavera.

Amar-me-ás?

Sei-te lá,

Ouvia manhosamente na parada em plena formatura,

Esquerda,

Direita,

Destroçar; viva o amor e o silêncio daqueles que se amam em silêncio.

Destroçar do dia,

Destroçar da noite,

Apenas destroçar.

Eles vão morrendo, eles vão ficando loucos, e percebo que os pássaros da minha infância já não existem.

Que tragédia, menina.

Que tragédia…

Matou-se porquê?

Sabes, meu amor?

Não.

Diz.

Ninguém me vai afastar das tuas palavras.

Depois,

Beijo-te loucamente na presença do raioso Sol de Primavera.

Amar-me-ás?

Sei-te lá,

Até que um dia os meus poemas sejam as inscrições das lápides daqueles que ainda vão nascer.

E de menino dos calções

Hoje

Nada.

Nada.

Hoje.

Amas-me, meu amor?

Até que o vento me venha buscar.

 

 

 

Alijó, 20/04/2023

Francisco

Embriaguez

 



Desenhos e pintura: Francisco Luís Fontinha


Embriago-me nos teus olhos, meu amor,

Nos teus olhos de água fresca,

Quando da doce manhã, um Oceano de desejo desce sobre a planície…

Embriago-me nos teus olhos, meu amor,

E fumo as estrelas dos teus olhos, meu amor…

E como são lindos, os teus olhos… meu amor

E o que dizem os teus olhos, meu doce amor...!

 

 

 

 

Francisco

20/04/2023

Barco de amar

 Ando às voltas

Com este barco que deixou sonhar,

Deste pobre barco de grandes revoltas…

Nas revoltas do mar.

 

São pequenos círculos de encarnado sorriso,

São marés e ventos,

São homens sem juízo,

São homens de poucos lamentos.

 

E este barco, este pobre barco… que a poesia quis amordaçar…

Este barco sem dia,

Este barco escondido no luar

 

Quando da noite acorda a lareira.

Deste pobre barco de triste melodia…

Nos olhos de uma singela ribeira.

 

 

 

Alijó, 20/04/2023

Francisco

Sorrisos de esperança

 Do céu, chegava-nos o fogo da saudade.

O mar de espuma

Brincava no sorriso lento

Da madrugada em flor;

Depois, recebíamos as canções da Primavera.

 

Depois…

Depois… meu amor.

O silêncio da despedida,

A ausência do corpo

Quando o corpo deixa de pertencer às tuas mãos…

 

Das tuas mãos onde procuro aquele rio sem nome,

Aquele rio, meu amor, rio que não corre mais para o mar.

Do céu, as lágrimas das estrelas em cartolina…

Que nos lábios de uma criança,

De uma simples menina… desenha sorrisos de esperança.

 

 

 

Francisco

20/04/2023

quarta-feira, 19 de abril de 2023

Oceano de luz

 Procuro dentro deste Oceano de luz

Aquilo que ninguém quer,

Curiosamente,

Não sei aquilo que procuro,

Mas farto-me de procurar.

 

Flores não são

Porque este Oceano não tem flores.

Serão os pássaros,

Aquilo que procuro dentro deste Oceano de luz?

 

Procuro qualquer coisa

Tanto faz…

Poderá ser uma árvore em flor

Um cadáver amordaçado

Ou apenas uma sombra.

 

Procuro dentro deste Oceano de luz

Qualquer coisa,

Ou outra coisa qualquer…

Que com o tempo…

Me esqueci…

Daquilo que procurava.

 

Procuro dentro deste Oceano de luz…

Nada.

E às vezes penso,

Penso…

O que procuro,

E porque não encontro…

Aquilo que procuro,

Que não sei o que procuro.

 

 

Francisco

19/04/2023

Cartas

 Malditas palavras

Palavras que se cravam no meu peito

Como uma bala de prata

Palavras…

Palavras que aos poucos me assassinam

Como se assassinam os tristes silêncios da noite.

Peço um desejo ao vento

E do vento apenas recebo cartas sem remetente

Cartas sós

Sós

Como são todas as cartas que recebo.

 

 

19/04/2023

Morte

 Morres no interior das minhas mãos

Enquanto lanço para o mar

A enxada com que escrevo…

Morres tal como eu

Aos pucos

Morro…

No interior das tuas mãos.

 

Morres nos olhos desta montanha

Que subo

E que recuso descer…

Onde me sento e durmo

Como um sonâmbulo amaldiçoado.

 

Morres

Cadáver desgovernado

Príncipe do silêncio

Maldito sejas

Poeta

Poeta do enforcamento.

 

Abraço-te

Enquanto morres dentro deste meu corpo

Deste pequeno corpo ensanguentado

Doente

Envenenado pela solidão nocturna do Adeus.

 

Morres no interior das mãos

Como morrem as sombras quando acorda a noite

Morres

Cansaço em despedida…

Espingarda da paixão

Que não se cansa de disparar contra a multidão

Pedacinhos em papel

E barcos em cartão.

 

 

Francisco

19/04/2023