Da janela ouvem-se os passos apressados dos transeuntes que acabam de regressar da ribeira da paixão, uma cesta com flores dorme suavemente junto ao parapeito, sobre uma pequena mesa de insónia, pego na tua mão, olho-te, tu olhas-me, e acabamos de construir duas estátuas de sono, suspensas pelo olhar,
Amar-te-ei, dizes-me
Amar-te como se amam as
palavras quando o poeta as semeia numa pequena e simples folha em papel,
Depois,
Da janela, da minha
janela, onde passo as tardes a contabilizar a entrada e a saída de todos os
barcos rumo ao desconhecido,
Amas-me?
Perguntas-me enquanto
pego na tua mão e na ausência de um crucifixo suspenso nesta parede em gesso e
olhos de saudade,
Saudade,
O que é saudade, meu
amor?
De ti,
Oiço-te quando se ergue a
manhã na alvorada do cansaço, podia escrever-te quando esta começa, mas prefiro
deitar a cabeça no teu peito, cerrar os olhos… e inventar um pequeno sorriso
nos teus seios.
Alguém se esqueceu de
mim, ouvia-se-lhe daquela boca semiaberta mais parecendo o porão de um velho
petroleiro, que durante os fins-de-semana deambula pelo corredor da casa.
Não temos vidros nas
janelas. A porta de entrada, de tão velha e rabugenta, agora começa a padecer
do maldito reumático e outras coisas mais,
As coisas que eles
inventam, quando se trata de reconhecer a verdade de um sorriso e o silêncio de
um olhar.
Podia.
Mas não quero.
E claro que podia,
Podia escrever-te quando
se ergue o dia, podia deixar as minhas últimas palavras sobre a fronha da
almofada, podia encharcar-me de shots e voar sobre o mar, podia vestir-me de
palhaço e de terra em terra… fazer fortuna.
Vê lá, menina do mar… até
podia ser uma abelha e de flor em flor, tal como o palhaço, fazer fortuna. Mas
fortuna não é comigo.
Não nasci para ser rico.
E de rico nada tenho.
Não sou rico em peso.
Não sou rico nas
palavras.
Perguntas-me o que fazer
à cesta com as flores; deixá-las dormir ou acordá-las…
Tanto faz.
Daqui a alguns dias, nem
flores são.
São uma sombra de beijos
junto às amuradas e que nas mãos transportam a solidão.
Porquê eu, perguntas-me…
Porquê ele?
Vou desenhar-te,
Como assim, desenhar-me?
Tanto faz,
Sabendo que da minha
janela oiço o silêncio travestido de Diabo e que Deus anda a brincar com as
minhas mãos, podia, claro que podia
Mas não o faço.
Alegre-te meu rapaz!
Olha, perdeste o comboio
para Belém.
Porque choravam as
acácias nunca me respondeu ele.
Mas também o meu pai era
um pouco estranho…
Como tu?
Eu, eu estranho?
Vestem-se de cinzento e
vão todas as manhãs de sábado para a feira do Relógio vender quadros pintados à
mão, desenhos desenhados com o olhar… e poemas pincelados com os lábios
Os beijos?
Magoados beijos de
alecrim.
Mais tarde, depois do
almoço, visitava-nos o senhor Alfredo, um charlatão de um gato e um gato em
penhoras de ausência
Amas-me?
Da rua contígua ouvem-se
os passos apressados dos exilados poéticos, que por razões de paixão tiveram de
abandonar a cidade,
Até que um dia o relógio
de parede nunca mais se ouviu;
Morreu de saudade, conclui
o médico legista depois de efectuar a referida autópsia.
Coitado do velho relógio,
Coitado dele.
Primeiro as pessoas,
Depois as pessoas,
Mais tarde,
O sino encerra a palestra
dos tristes dias em poesia.
Desenho nos teus lábios o
beijo, escrevo no teu peito o mais belo poema de amor, como se apenas os poemas
de amor fossem belos, quando tu sabes que…
Me amas?
Quando tu sabes que a
beleza existe até nas palavras mais ruins…
O que entendes por
palavras ruis, meu amor?
Palavras.
Tristes palavras do teu
olhar.
E enquanto acaricio o teu
corpo, uma lâmina de chuva de estrelas brinca na tua mão, tenho a certeza que
quando pego nela, que quando aprisiono a tua mão, o meu corpo se traveste de
paixão e apenas acorda quando um pedacinho do mar dos teus lábios poisa nos
meus lábios,
E do mel dos teus lábios,
As abelhas,
Em flor,
Da tua mão,
Meu amor.
O mar está revolto, as
minhas mãos trémulas seguram este copo de uísque, na outra mão o maldito
cigarro que não se cansa de mim nem eu me canso dele,
Ainda fuma, senhor
Francisco?
Olhe para ela…
Pois olho, doutora, pois
olho…
Ela nunca fumou!
E morreu.
Deito-me.
Abraço-te no silêncio da
noite enquanto sei que um qualquer poeta/jardineiro tratará do teu belo jardim,
como se os jardins fossem eles todos belos, como são belos os poemas de amor.
Do teu cabelo, a minha
mão de mamífero desengonçado,
Milhafre negro,
Olho encarnado.
Mais tarde, quando acordávamos,
um fio de sémen escondia-se sobre o rendado lençol da manhã na companhia de
outros fluidos,
Da mecânica,
Escondias nos seios a
equação de Bernoulli, da tua mão, meu amor,
Tarde demais.
Um dia serei.
Ontem fui.
Não quero mais esta esta
ausência de silêncios e de fotografias sobre a secretária,
Imagina-me sentado em
frente ao mar…
Imagina-me poisando a
cabeça no teu peito, e com os meus lábios, desenhar o mais belo pôr-do-sol,
Consegues imaginar, meu
amor?
Claro que não,
Claro,
Não consigo.
Peso-me. Cinquenta e nove
quilos, e com mais olhos de que barriga
Fui.
Parti em direcção ao
nada.
A ausência.
A primeira palavra dita; filho
da puta
O senhor prior não queria
acreditar,
O meu avô Francisco a ser
baptizado com dois anos e quando o senhor sacerdote o lança à água
Filho da puta.
Tal pai, tal filho
Onde me esperas, meu
amor?
Escrevo-te sem saber que
te escrevo.
Mato-me todas as noites
Ainda não morri.
Da janela ouvem tiros,
berros e…
Deus queira, ajuda-me
meus Deus
E Deus não a ajudou.
Nem a ele nem a ela.
(que se foda, que me
desculpem aqueles que…)
Martírio destino, jardim
dos enforcados.
Depois,
Beijo-te loucamente na
presença do raioso Sol de Primavera.
Amar-me-ás?
Sei-te lá,
Ouvia manhosamente na
parada em plena formatura,
Esquerda,
Direita,
Destroçar; viva o amor e
o silêncio daqueles que se amam em silêncio.
Destroçar do dia,
Destroçar da noite,
Apenas destroçar.
Eles vão morrendo, eles
vão ficando loucos, e percebo que os pássaros da minha infância já não existem.
Que tragédia, menina.
Que tragédia…
Matou-se porquê?
Sabes, meu amor?
Não.
Diz.
Ninguém me vai afastar
das tuas palavras.
Depois,
Beijo-te loucamente na
presença do raioso Sol de Primavera.
Amar-me-ás?
Sei-te lá,
Até que um dia os meus
poemas sejam as inscrições das lápides daqueles que ainda vão nascer.
E de menino dos calções
Hoje
Nada.
Nada.
Hoje.
Amas-me, meu amor?
Até que o vento me venha
buscar.
Alijó, 20/04/2023
Francisco