quarta-feira, 26 de outubro de 2022

Palavras ao vento

 

O vento deixou de soprar

Está cansado

Não pode trabalhar

O vento já não me pertence

Como não me pertencem

 

As palavras que lanço ao vento

O beijo

O vento

E os lábios do vento

São palavras

 

Madrugadas

Que esperam pelo vento

O vento que deixou de soprar

E teima em não trabalhar

Maldito sejas vento de amar

 

 

Alijó, 26/10/2022

Francisco Luís Fontinha

terça-feira, 25 de outubro de 2022

Os lençóis do desejo

 Éramos quatro paredes, uma janela rectangular com acesso à rua onde um pequeno fio de luz incidia ao acaso sobre esta, na parede em frente à janela, um pequeno crucifixo em madeira parecia inventar o sono, quando sobre a cama, junto à parede onde ele estava pendurado, Mariana, seminua e com pose de silêncio sobre a pobre cama e coberta de lençóis envenenados pelo desejo, com uma qualquer publicação desconhecida aprisionada pelas mãos finas e débeis, murmurava as palavras invisíveis do pós madrugada, quando percebeu que ele enquanto tinha os cotovelos poisados no parapeito e numa das mãos o segundo cigarro da manhã, perguntou-lhe pausadamente

Que fazes?

Penso.

Só pensas?

Não.

E depois de uma longa pausa, de imaginar o mar ao longe, disse-lhe que com o pequeno fio de luz que abraçava a janela de vez em quando, iria puxar o mar e trazê-lo até esta.

Ela, sorriu.

Ele, sorriu.

Sobre a almofada pequena, semeava os cabelos loiros e finos da cor do sol e cansados como a lua de dar voltas à terra e mais parecendo uma linda seara de trigo nas mãos do Vale da Cabra, quando de soslaio

Acreditas que o Universo é infinito?

Tal como duas rectas paralelas se encontrarem no infinito.

E se essas duas rectas paralelas nunca se encontrarem no infinito?

O Universo é finito…

Ela, sorriu.

Ele olhou-a como se com o triste olhar que lhe pertencia desenhasse um longo e silenciado beijo, junto ao seio esquerdo, no direito, escreveu

E se amanhã chover?

E devagarinho, em pequenos soluços, foi puxando o mar até o estacionar junto à janela, e sentiu-o muito pertinho da mão, então

Enquanto chapinhava na água, sussurrou

Porra, e se as rectas se encontram mesmo?

Quero lá saber das rectas…

Poisou a pequena publicação sobre a mesinha-de-cabeceira, levantou-se e em pedacinhos de sombra aproximou-se dele, abraçou-o, colocou os braços sobre os ombros inclinados para o longínquo jardim e

Amo-te.

Ele, sorriu.

Vês, aquele barco lá ao fundo?

Sim, vejo, o que tem?

É o primeiro barco que vejo há mais de três anos por estas bandas…

E olha que estou aqui desde as seis horas da manhã até às vinte e três da noite,

E depois?

Depois vou desenhar barcos no tecto da alcofa…

Sabes?

Diz.

Esta noite sonhei que fui mãe e era uma menina

Como as rectas?

Parvo.

Muito parvo, mesmo.

Encerrou a janela, sentou-se na cama por alguns segundos, encostou a cabeça à parede e de olhar inclinado, enquanto o crucifixo lhe perguntava

Em que pensas?

Penso como será bela a noite, quando aquele barco estacionado lá longe, entrar pela janela, colocar os joelhos junto ao meu corpo e deitar-se no meu peito.

Acreditas mesmo?

Não sei!

Umas vezes acredito que duas rectas paralelas se encontram no infinito, outras, pelo contrário, que estas nunca se vão encontrar;

Então o Universo pode ser infinito ou finito, é isso?

Ele, sorriu.

E quando olhou para o lado, sobre a almofada pequena, ela semeava os cabelos loiros e finos da cor do sol e cansados como a lua de dar voltas à terra e mais parecendo uma linda seara de trigo nas mãos do Vale da Cabra, ouviram-se as silenciadas ondas de paixão mais lindas que alguma vez foram observadas.

 

 

 

 

Alijó, 25/10/2022

Francisco Luís Fontinha

(ficção)

Uma rocha sem jeito onde me deito

 

Dizem que tenho uma rocha

Uma rocha no peito

Uma rocha onde me sento

E rocha onde me deito

 

Uma rocha

Que o peito carrega

Uma rocha no peito

Uma rocha que o vento leva

 

Tenho uma rocha

Uma rocha sem jeito

Uma rocha uma pobre rocha

Que habita no meu peito

 

 

Alijó, 25/10/2022

Francisco Luís Fontinha

Casa

 

Esta casa

Nesta casa infestada

De livros

De nada

À casa

Esta casa vadia

Que chora

Que sorria

Desta casa

Sem casa

Chove

Quando o sol dorme

Dos livros

Infestada

A minha casa

E parece uma lápide de luz

Ai esta casa

Onde poisam os meus ossos

Seus grandes ossos

Que nesta casa viveram e morreram

 

 

25/10/2022

Francisco Luís Fontinha

Lágrimas de chuva

 

Todos os dias de chuva

São palavras tristes

São olhares em despedida

Todos os dias

Os meus dias de chuva

São tristes palavras

 

São lábios tristes da chuva

Todos os dias

Estes dias

São a chuva de palavras

São lágrimas de chuva

Quando a chuva são palavras

 

 

25/10/2022

Francisco Luís Fontinha

segunda-feira, 24 de outubro de 2022

O sono

 Somos tristes

Alegres

Somos o mar

Quando temos sono

O beijo

No infinito Universo de Deus

Au alto

Em baixo

Ergo-me

E converso com os teus lábios

E nos teus lábios sei que tenho paz

Volto a erguer-me

Agacho-me

Sento-me

Cago

E o gajo morre

O gajo

Sou eu

Um parafuso

Sem rosca

Com pernas

Braços

Ao amor

O que pertence ao amor

No entanto

Sento-me nesta pobre parede

Com piolhos

Com lêndeas

Com sifles

Sem sifles

Arde-lhe a boca

Do incenso fumado

O gajo esgalha uma

Reza a Deus

Pede-lhe perdão…

Ai o perdão

Nas mãos de um barco

Cansado

Aflito

Em lágrimas

Percebes agora o significado do poema?

Palavras

Massa

O arroz

Maldisposto

E o chouriço filho?

Quando o prato

Dorme em formatura

O triste soldado

Dispara a espingarda

PUM PUM PUM

Somos tristes

Alegres

Somos o mar

E que mar

O mar de amar de beijar quando o luar é luar e o mar é o mar

 

 

 

Alijó, 24/10/2022

Francisco Luís Fontinha

Primeiro beijo

 

Escuta-o

É o orgasmo das palavras

Que bate nos teus lábios

Inventa o primeiro beijo

Escuta-o

Sem questionares

Se é desejo

Porque pode ser apenas um poema (assassinado à nascença)

 

 

Francisco Luís Fontinha

24/10/2022