terça-feira, 25 de outubro de 2022

Os lençóis do desejo

 Éramos quatro paredes, uma janela rectangular com acesso à rua onde um pequeno fio de luz incidia ao acaso sobre esta, na parede em frente à janela, um pequeno crucifixo em madeira parecia inventar o sono, quando sobre a cama, junto à parede onde ele estava pendurado, Mariana, seminua e com pose de silêncio sobre a pobre cama e coberta de lençóis envenenados pelo desejo, com uma qualquer publicação desconhecida aprisionada pelas mãos finas e débeis, murmurava as palavras invisíveis do pós madrugada, quando percebeu que ele enquanto tinha os cotovelos poisados no parapeito e numa das mãos o segundo cigarro da manhã, perguntou-lhe pausadamente

Que fazes?

Penso.

Só pensas?

Não.

E depois de uma longa pausa, de imaginar o mar ao longe, disse-lhe que com o pequeno fio de luz que abraçava a janela de vez em quando, iria puxar o mar e trazê-lo até esta.

Ela, sorriu.

Ele, sorriu.

Sobre a almofada pequena, semeava os cabelos loiros e finos da cor do sol e cansados como a lua de dar voltas à terra e mais parecendo uma linda seara de trigo nas mãos do Vale da Cabra, quando de soslaio

Acreditas que o Universo é infinito?

Tal como duas rectas paralelas se encontrarem no infinito.

E se essas duas rectas paralelas nunca se encontrarem no infinito?

O Universo é finito…

Ela, sorriu.

Ele olhou-a como se com o triste olhar que lhe pertencia desenhasse um longo e silenciado beijo, junto ao seio esquerdo, no direito, escreveu

E se amanhã chover?

E devagarinho, em pequenos soluços, foi puxando o mar até o estacionar junto à janela, e sentiu-o muito pertinho da mão, então

Enquanto chapinhava na água, sussurrou

Porra, e se as rectas se encontram mesmo?

Quero lá saber das rectas…

Poisou a pequena publicação sobre a mesinha-de-cabeceira, levantou-se e em pedacinhos de sombra aproximou-se dele, abraçou-o, colocou os braços sobre os ombros inclinados para o longínquo jardim e

Amo-te.

Ele, sorriu.

Vês, aquele barco lá ao fundo?

Sim, vejo, o que tem?

É o primeiro barco que vejo há mais de três anos por estas bandas…

E olha que estou aqui desde as seis horas da manhã até às vinte e três da noite,

E depois?

Depois vou desenhar barcos no tecto da alcofa…

Sabes?

Diz.

Esta noite sonhei que fui mãe e era uma menina

Como as rectas?

Parvo.

Muito parvo, mesmo.

Encerrou a janela, sentou-se na cama por alguns segundos, encostou a cabeça à parede e de olhar inclinado, enquanto o crucifixo lhe perguntava

Em que pensas?

Penso como será bela a noite, quando aquele barco estacionado lá longe, entrar pela janela, colocar os joelhos junto ao meu corpo e deitar-se no meu peito.

Acreditas mesmo?

Não sei!

Umas vezes acredito que duas rectas paralelas se encontram no infinito, outras, pelo contrário, que estas nunca se vão encontrar;

Então o Universo pode ser infinito ou finito, é isso?

Ele, sorriu.

E quando olhou para o lado, sobre a almofada pequena, ela semeava os cabelos loiros e finos da cor do sol e cansados como a lua de dar voltas à terra e mais parecendo uma linda seara de trigo nas mãos do Vale da Cabra, ouviram-se as silenciadas ondas de paixão mais lindas que alguma vez foram observadas.

 

 

 

 

Alijó, 25/10/2022

Francisco Luís Fontinha

(ficção)

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