Escrevo-me na parede transparente dos
teus lábios
silenciosamente cansados das palavras
suspensas na janela da saudade
ouvem-se os murmúrios dos albatrozes
e a saliva do texto nu sobre a cama de
cinzento vidro
a cidade fervilha nas distantes árvores
de papel invisível
escrevo-me
na parede
dos teus lábios
transparente a noite que absorve os
nossos corpos e tortura-os
nos gemidos dos sexos deitados no poema
escrevo-me
escrevo-me sempre que oiço a tua voz,
ao cair a noite sobre nós
descem da cidade
transeuntes apressadamente fingindo a
felicidade
nas ardósias da tarde
oiço-me quando o espelho de chocolate
derrete nas tuas mãos incisivas
ao cair a noite dentro do quarto
sexta-feira abro-te e escrevo-me na
saliva do texto
palavra por palavra
uivo entre os outros muitos uivos
das perdizes alienadas pelo cansaço da
aldeia
escrevo-me nas tuas coxas que o homem
da guitarra desenhou no muro da paixão,
escrevo-me
escrevo-me no gelo circunflexo do amor
às janelas de longe terminam o cais
das sandálias de couro
ou os barcos no regresso a casa
em abraços
e pouca coisa nas mãos indefesas
nefastas oleadas pelas marés dos rochedos
que a tua boca engole quando me
aproximo da madrugada
escrevo-me no mar
e nas paredes da solidão
crescem as rosas vermelhas
de olhos verdes com luzinhas
cintilantes nas pálpebras de aço
que o homem da guitarra desenhou no
muro da paixão...
(poema não revisto)