terça-feira, 13 de novembro de 2012

O muro da paixão


Escrevo-me na parede transparente dos teus lábios
silenciosamente cansados das palavras suspensas na janela da saudade
ouvem-se os murmúrios dos albatrozes
e a saliva do texto nu sobre a cama de cinzento vidro
a cidade fervilha nas distantes árvores de papel invisível
escrevo-me
na parede
dos teus lábios
transparente a noite que absorve os nossos corpos e tortura-os
nos gemidos dos sexos deitados no poema
escrevo-me
escrevo-me sempre que oiço a tua voz,

ao cair a noite sobre nós
descem da cidade
transeuntes apressadamente fingindo a felicidade
nas ardósias da tarde
oiço-me quando o espelho de chocolate
derrete nas tuas mãos incisivas
ao cair a noite dentro do quarto
sexta-feira abro-te e escrevo-me na saliva do texto
palavra por palavra
uivo entre os outros muitos uivos
das perdizes alienadas pelo cansaço da aldeia
escrevo-me nas tuas coxas que o homem da guitarra desenhou no muro da paixão,

escrevo-me
escrevo-me no gelo circunflexo do amor
às janelas de longe terminam o cais das sandálias de couro
ou os barcos no regresso a casa
em abraços
e pouca coisa nas mãos indefesas nefastas oleadas pelas marés dos rochedos
que a tua boca engole quando me aproximo da madrugada
escrevo-me no mar
e nas paredes da solidão
crescem as rosas vermelhas
de olhos verdes com luzinhas cintilantes nas pálpebras de aço
que o homem da guitarra desenhou no muro da paixão...

(poema não revisto)

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Falso amanhecer


O dissilábico falso amanhecer
à mão de papel
que a noite desencanta
uma rua deserta
pura
alimenta as fissuras de um coração
aos parêntesis desenhados nos teus olhos roubados pela noite
longe dos oceanos
barcos engasgados no purpuro cabelo do vento
a alma do falso amanhecer
à mão transversal das paredes do destino
deus na janela do prazer

e alicerça-se em ti a saudade
como as palavras
como os desenhos invisíveis que a noite come no veneno do teu sofrimento
pura
alimenta
as fissuras de um coração com sal e pimenta

coitado de mim tão frágil dentro dos lençóis da insónia
pura
a alicerça-se
como o poema
dentro de um quarto com fotografias de corsários
e piratas
governando
não governar
as vaginais cansadas madrugadas abraçadas ao infinito
desiludidas canções de engate
o Rossio sentado em mim
e sinto-me uma gaivota perdida nas mamas do dissilábico falso amanhecer

hoje não é sábado
e a livraria está encerrada
o bar paralelepípedo do desejo olha o Tejo
saltita entre as aranhas da cidade adentro
um longínquo gemido atravessa a parede da paixão
hoje não é sábado
e a livraria está encerrada
a farmácia dos sonhos
com os livros de sexta-feira na algibeira do domingo saudável
desgraçadamente
não é sábado
e nunca acordarão os extintos medos dos teus braços de mel.

(poema não revisto)

Em destaque - Cachimbo de Água


sem estrelas nem árvores apenas o mar e o rio


uma gaivota de sémen mergulha nos lençóis húmidos da madrugada
quando do clitóris desce o Rossio em direcção ao rio
das palavras
sento-me apaixonadamente no Jeronymo (Chiado)
e enrolo-me no café amargo que da mão da caneta de tinta permanente
escreve “para ti, com amor”...
e um silêncio de noite
entranha-se no novo livro de A. Lobo Antunes (Não É Meia Noite Quem Quer)
e eu quero
preciso urgentemente que seja sempre sábado
noite
sem estrelas
nem árvores
apenas o mar
e o rio
apenas tu
com amor
no poético corpo de gelo que a madrugada me oferece.

(poema não revisto)

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

O transeunte apaixonado


O imperfeito incrédulo transeunte emagrecido
nas pálpebras azuis do destino
podia acordar a alvorada
e escrever nas paredes cansadas
que as arcadas cadeiras sem focinho
constroem na insignificante janela do Outono
ai a cidade com um rio travestido de mar
e o mar
e o mar em engates na maré do silêncio
o amor é o amor
das palavras
e no corpo tua boca em soluços madrugadas,

o amor amar os barcos em sucata
pedacinhos de aço
nos lábios desejados das ranhuras frestas do granito jazigo literário
os poemas em festa
orgias
e danças de salão na cave do eléctrico para Belém
deixando a Ajuda nas águas transversais adormecidas das gargantas loucas
e eu procuro-te pensando nas árvores infinitas tuas mãos
abraças-me?
dar-me-ás um beijo invisível com sabor a chocolate?
abraças-me nas finíssimas argolas de papel suspensas no tecto da algibeira?
e as vacas do tio Serafim comeram toda a erva do meu caderno preto,

e dou-me conta que não estou louco
nem doente
estou apaixonado
feliz por ser amado
e é nos momentos que me apetece adormecer eternamente
que quero amar loucamente os cortinados loiros dos teus olhos encarnados
(O imperfeito incrédulo transeunte emagrecido
nas pálpebras azuis do destino
podia acordar a alvorada)
podia adormecer a noite
e todas as lâmpadas se extinguirem nas sombras da calçada
porque eu não me importo que chovam as palavras que a cidade transpira,

não me importo das vacas do tio Serafim
nem dos livros ainda não escritos
e dos poemas que apenas fazem parte do teu ventre lilás de sílaba acácia
que os dias mortos desenham na areia
não me importo da chuva
e do vento sem vento fingindo ser vento
porque a paixão come a erva do meu caderno preto
perco todas as palavras semeadas na Primavera
perco as gaivotas melancólicas do Tejo enjoado
também ele apaixonado
pelas pequenas flores que os barcos transportam
e deixam abandonadas no fundo oceano o desejo construído com os insectos...

(poema não revisto)

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Entre sílabas e palavras e silêncios madrugadas


O doce frio
emagrece o corpo embrulhado em desejo
fingindo-se de morto
e evapora-se nas frestas do olhar esverdeado
que o rio abraçado à janela
pinta nos lábios do poema,

é isto o amor
dois corpos
mergulhados no oceano de livros
é isto amar
caminhar sobre as nuvens
e sonhar,

amar a tua pele de cravo que Abril semeou
nas mãos de uma criança
quando dormia a cidade
amar o amor em doce frio
que o desejo consome dentro das estrelas azuis
e papeis ornamentais nas paredes do sofrimento,

acorda o cansaço
o doce frio
o abraço
que dos lábios crescem as noites infinitamente desencontradas
abraço-te
e desenho no teu doce frio corpo os uivos das madrugadas,

às vezes
as lágrimas de ti desaguam no meu rio inventado
não dou importância aos barcos sem motor
nem às flores sem cor
às vezes
às vezes disfarço-me de esqueleto com duzentos e seis ossos,

e fingindo-me de vivo
beijo-te loucamente sempre que posso
porque poucas vezes
às vezes fingindo-me de poema
deito a minha cabeça nos teus olhos
e adormeço entre sílabas e palavras e silêncios madrugadas...

(poema não revisto)

Francisco Luís Fontinha
Alijó, 07-11-2012
http://cachimbodeagua.blogs.sapo.ao/