domingo, 29 de janeiro de 2012
O senhor Todo Jorge
O poema acorda pela manhã sem perceber que antes de acordar foi destruído pelo senhor Todo Jorge que durante a sesta entrou dentro da cabeça do escritor,
- O poema é uma merda tal como a minha vida Lamenta-se o escritor enquanto sentado sobre o xisto da tarde, os cigarros evaporam-se entre os lençóis invisíveis que escondem o desejo e o desejo é uma farsa embrulhada em pedacinhos de mangueira,
O poema destrói-me por dentro e por fora As palavras do poeta quando olha o rio e acaba de morrer antes de chegar ao mar, os barcos de Luanda também morreram e os machimbombos sinto-os na algibeira do avô Domingos antes de regressar a casa,
-O negro dos meus quadros
A manhã que se dissipa sobre a Bedford amarela poisada junto ao portão de entrada,
- A noite entra nos meus quadros como se fosse uma tarde em Belém solitariamente sentado numa esplanada a olhar o rio e sempre à espera que um paquete vindo do outro lado da rua me levasse, peço um café e uma bola de Berlim, como a bola e sinto a chávena mover-se até desaparecer,
Oiço o senhor Todo Jorge dentro da minha cabeça, oiço a morte de mão dada com deus, oiço os pássaros poisados na janela da claraboia sem que do relógio de pulso venha até mim a claridade da tarde, oiço-te e amo-te,
O poema,
O teu corpo nas minhas mãos antes de eu tombar e evaporar-me, o teu corpo embrulhado no loiro cabelo da manhã e tu,
- Bom dia amor,
E eu Bom dia amor,
E o poema,
- O poema nas mãos do senhor Todo Jorge,
E o poema precisa de mim e eu preciso do poema,
- Só sou poema porque tu me escreves enquanto dormes,
E se eu deixar de te escrever? E se eu assassinar as tuas palavras e deita-las na algibeira do avô Domingos juntamente com os machimbombos?
(estou farto deste texto, estou farto destas palavras)
- Morrem os machimbombos?
E das ruas de Luanda, e das ruas de Luanda deus sentado numa cadeira de praia junto à baía e finalmente percebo que não gosta de mim, e finalmente percebo que nunca gostou de mim, porque se gostasse
- O poema nas mãos do senhor Todo Jorge,
Mas sei que não gosta, as manhãs de inverno deitado no chão sem cama, sem nada, os vidros todos estilhaçados, a fome entrava pela porta de entrada e saia pela janela, eu vinha à varanda,
- Porquê mãe,
Amo-te sussurra-me o poema, amo-te quando te escrevo Respondo-lhe, amo-te nas tardes de verão junto ao tejo e tu olhas-me como se eu fosse uma candeia acesa na noite solitária de dezembro, e recordo-me que comecei a odiar o natal quando em regresso de Carvalhais o pai natal desprezou-me, visitou todas as crianças do bairro do hospital,
- O pai natal passou em Carvalhais, E eu perguntava-me Como este filho da puta sabe se estou em Carvalhais ou em Alijó, e não sabia, e nunca soube,
Tenho medo mãe,
E eu amo-te e eu sempre te amei, Porquê pai natal?
O poema acorda pela manhã sem perceber que antes de acordar foi destruído pelo senhor Todo Jorge que durante a sesta entrou dentro da cabeça do escritor,
O escritor ama-a mas será que ela está disponível para amar o escritor? Pergunto-me todas as noites antes de adormecer, e não precisas de fingir poema, o senhor Todo Jorge recordar-me-á todas as rimas, todas as dores, todos os sofrimentos,
- Morrem os machimbombos?
E morreram os machimbombos e morreram todos os barcos de Luanda, e hoje, e hoje apenas o teu sorriso plantado na minha secretária que me olha e me recorda,
- Eu amo-te,
E eu percebi que me amavas quando te deste conta que eu não passava de um miserável, entalado ente o setembro de Luanda e o inverno de Alijó,
- Tenho medo mãe,
Do mar do Mussulo.
(texto de ficção)
sábado, 28 de janeiro de 2012
Lápide
Amar uma pedra
Que da poeira se constrói a noite
Não uma pedra qualquer
Não uma noite igual a tantas outras noites
Eu só
Amar uma pedra
Onde vão escrever as minhas palavras
Numa noite sem estrelas
Que da poeira se constrói a noite
Não uma pedra qualquer
Não uma noite igual a tantas outras noites
Eu só
Amar uma pedra
Onde vão escrever as minhas palavras
Numa noite sem estrelas
Fim da viagem
Todas as viagens têm um fim, partimos de um ponto A para chegarmos a um ponto B, mas quando percebemos que o ponto B não existe, nada a fazer, porque só um louco continua a caminhar para um destino inexistente.
E ainda não estou louco, acredito eu.
Subscrever:
Mensagens (Atom)