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domingo, 6 de janeiro de 2013

O post-it e a cidade

( )
As ratazanas querem comer-me, acreditava eu, a cada segundo de ponteiro que o velho relógio descrevia nas clandestinas terras assombradas pelo capim desnorteado, estonteante, doente, e afinal as ditas ainda tinham mais medo do que os palhaços do circo junto ao átrio da igreja protestante, e mentalmente ela queria dizer-me
Amor, falta-nos tudo,
E ele respondia-lhe
Se a casa tiver livros já tem tudo,
Vai fazer-te bem, amor,
Acordavas-me, erguias-me, a ténue luz desenhava na parede lateral um menino de sombra, e ela obrigava-me a beber o leite com mel, queimava a boca, torcia-me na cama como se estivesse no interior de uma tempestade de areia, e nunca percebi o infernal trânsito
chegavas tardíssimo a casa, inventavas trânsito que todos os dias antes partires, deixavas colado no frigorífico, regressavas, descolavas o post-it e a cidade retomava o ritmo solitário que as noites trazem, constroem dentro das imensas dores frágeis que os ossos das tuas mãos carregavam caminho abaixo até chegares à ribeira, e mentalmente ela queria dizer-me
Amor, falta-nos tudo, e afinal, as ratazanas queriam comer-me, acreditava eu, a cada segundo de ponteiro que o velho relógio descrevia nas clandestinas terras assombradas pelo capim desnorteado, estonteante, doente, e afinal as ditas ainda tinham mais medo do que os palhaços do circo junto ao átrio da igreja protestante, e mentalmente ela queria dizer-me,
Se a casa tiver livros já tem tudo,
O trigo deixou de crescer após a tua partida, os pássaros, hoje, tal como os aviões, não voam, morrem, às vezes morrem, sem nada a casa, hoje não, se a casa tiver livros já tem tudo, o post-it e a cidade retomava o ritmo solitário que as noites trazem, constroem dentro das imensas dores frágeis que os ossos das tuas mãos carregavam caminho abaixo até chegares à ribeira, e mentalmente ela queria dizer-me
Falta-nos tudo,
E mentalmente ela queria dizer-me que o trigo deixou de crescer após a tua partida, os pássaros, hoje, tal como os aviões, não voam, morrem, às vezes morrem, sem nada a casa, hoje não, se a casa tiver livros já tem tudo,
E tu
Assassina-me como se eu fosse um grito de luz, e não deixes que as cores do arco-íris murchem, se extingam, morram, quando acorda a noite no pólo da saudade, chegavas tardíssimo a casa, inventavas trânsito que todos os dias antes partires, os pássaros, os aviões, e eu
E eu sempre que podia, quase sempre, antes de começar a noite, inventava trânsito, que cobriam as cores do arco-íris, e tu
E eu
Com o leite, o mel, à espera que regressasses das tuas longínquas viagens ao além, e afinal as ditas ainda tinham mais medo do que os palhaços do circo junto ao átrio da igreja protestante.

(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
Alijó

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Literatura verdejante


Há dentro de ti
um fluido hidráulico que corre como um rio
alimenta os teus braços
as tuas pernas
os teus ossos engomados
pela complexa geada da noite

tens luzes na tua boca silenciosa
que esconde madrugadas
flores amassadas
incêndios de esperma
janelas encerradas
que não te deixam ver o mar

há dentro de ti
um jardim de terra queimada
capim
mangueiras cobertas de sonhos
e de papagaios de papel
há em ti a literatura verdejante que as mãos do diabo despenharam contra os rochedos da lua

há um homem cego
dentro de ti que habita a paixão
capim
zinco que rodeia a cidade
há uma canção
à espera da tua voz poética e que a chuva miudinha mastiga

e sofre
e engole
manhãs de ti dentro do perfume da maré
caiem docemente as partículas do sono
sem fé
que os teus lábios consomem na lareira do ciúme inventado por um louco

e pouco
muito pouco posso escrever dentro de ti
a não ser
olhar-te como um rio
que corre
e caminha o teu fluido hidráulico que traz a insónia em pedacinhos de cereja...

(poema não revisto)

@Francisco Luís Fontinha
Alijó