terça-feira, 12 de abril de 2016

Amores de papel com lábios de algodão


Deixei de contemplar o teu perfume.

Ausento-me desta cidade de espingardas envenenadas

Que assombram o meu sorriso,

Procuro-te, procuro-te na ânsia de encontrar a tua sombra

Nos buracos da noite, procuro-te sem saber se existes nesta cidade de espingardas envenenadas, mesmo assim, eu não me canso de te procurar,

Desenho-te. Escrevo-te sabendo que não consegues ler as minhas palavras.

Amanhã acordarei na preguiça do amanhecer, novamente te vou procurar, aqui, ali, em qualquer lugar…

Não sei, não sei se existes,

Não sei se és real como as árvores no final do dia, encolhem os braços e dormem, dormem acreditando, também elas, que existes algures nesta cidade,

Mas não acredito na tua presença,

Imagino-te sentada num qualquer jardim esperando por mim, imagino-te sentada junto ao rio esperando por mim, mas enquanto vou ao rio e ao jardim, nada, nada da tua presença,

Desisto?

Desisto.

Sigo viagem, vou à procura do meu caderno preto, vou à procura da areia finíssima do Mussulo onde brincava com os outros meninos, também eles, esquecidos, sucata, velharias à porta de uma taberna,

Estou só, estou só enquanto escrevo, não sei se existes…, mas…, mas não quero a tua presença enquanto escrevo,

Lamento-me,

Lamento-me dos confins da lixeira dos sonhos, invento amores de papel com lábios de algodão, sinto-o, sinto-o

Sinto-o na minha mão como um fidalgo desempregado, triste e vaiado numa noite junto ao mar, amanhã, talvez,

Talvez existas nos meus aposentos de criança, amanhã, talvez existas nas pedras circulares dos Oceanos abandonados,

Desisto?

Desisto.

Esqueço-me de ti,

Recordo a liberdade de viver sobre este cansaço de aço,

Recordo a ardósia onde escrevia poemas só para ti, mas tu, tu não existes,

Pareces a morte,

O silêncio disfarçado de morte,

E depois

E depois deixei de contemplar o teu perfume.

 

 

Francisco Luís Fontinha

terça-feira, 12 de Abril de 2016

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