terça-feira, 31 de março de 2020

O menino dos livros


Os livros dançam na paixão da manhã,
Envidraçada tempestade de areia,
O menino, sorri,
Canta canções de areia,
Grita,
Chateia.
O menino no circo,
De livro na mão,
Escreve um sorriso,
No chão,
Brinca, brinca com o livro de areia,
Não grita,
Agora,
Mas chateia.
O menino dos calções,
Correndo junto ao rio,
Em cio,
Em cio como as lâmpadas de néon.
Vende livros à porta da igreja,
Arrecada uns tostões,
Vai para o mar,
De bandeira na mão,
Deita-se na areia,
Já não chateia,
O menino dos livros,
Enquanto as gaivotas cantam,
E também elas gritam,
Canções de areia.
O menino está calmo,
Sereno com a tempestade,
Brinca, brinca na saudade,
Sem perceber,
Que nos livros,
Onde quer escrever,
Já não sonham;
Apenas brincam em canções de areia…
Nas canções de sofrer.


Francisco Luís Fontinha
31/03/2020

segunda-feira, 30 de março de 2020

O caixão do Adeus


Alguém morreu, pensei eu, o portão do cemitério aberto, os pinocos anti estacionamento colocados a preceito para que ninguém se alicerçasse ao pequeníssimo espaço, tudo sinal de que haveria um velório.
Parei, peguei num minúsculo cigarro de fumo, folheei o Jornal Público e, sobre as árvores o silêncio dos pássaros, alguns, adivinhando qualquer coisa de estranho, talvez eles já soubessem que alguém se tinha despedido da realidade e enveredado pela sinfonia do Adeus, perguntei-lhes
- Quem morreu?
Que não sabiam, tinham acabado de regressar de viagem e, verifiquei três o quatro pessoal, vestidas de negro, que pareciam esperar alguém,
- Temos medo, Senhor,
Medo, perguntei eu?
Do vento, diziam eles, medo do silêncio e, das amendoeiras em flor,
Percebo, percebo, mentalmente refazia-me do susto de alguém ter adormecido durante a noite e ninguém à sua espera quando regressasse,
- Sabe, Senhor?
A morte é triste,
Pára um carro funerário, lá de dentro sai um caixão escuro, vestido de tristeza, as poucas pessoas que o aguardavam, choravam, em silêncio e, o mar estava longe, poisei o Jornal, deitei no cinzeiro a beata que restava do meu alimentado cigarro, apetecia-me acompanhar o velório, mas não o fiz, fiquei sentado,
Um dos pássaros começou a cantar:

Capitalista de merda
Mete o dinheiro no cu
Dá o dinheiro ao operário
Que trabalha mais do que tu

Vai o enterro a passar
Foi a filha do operário
Que morreu a trabalhar

Fiquei incrédulo, não acreditava no que acabava de ouvir, entre lágrimas, alguém desenhou um finíssimo sorriso de sangue e, entre o sol, as flores aplaudiam como se o cansaço das lápides estivesse a terminar,
- Acabou, acabou disse-me ele,
E, tudo acaba; entre silêncios e lágrimas de chocolate.



Francisco Luís Fontinha
30/03/2020