segunda-feira, 20 de janeiro de 2020

As mãos de uma criança


Perde-se no tempo o sonho da saudade.
Invento coisas, pequenas frases suspensas nos cortinados da solidão,
E, ao longe, a camuflada madrugada em desespero.
Dizem que ela, a tempestade,
Vem alicerçar-se nas janelas do silêncio,
Como um livro desempregado, só, triste…
Invento coisas.
Perde-se no tempo o sonho da saudade.
O alegre canino, que habita nas sombras desta velha cidade,
Corre em direcção ao mar,
Veste-se de veleiro vadio,
E zarpa sem ninguém dar conta da sua ausência.
Fico triste, vê-lo partir como partem os pássaros para a outra margem,
Sem destino,
Sem rumo,
Rodopiando dentro do vento,
Canções de chorar.
Levita o cansaço da noite,
Quando o dia já pertence ao passado,
Morre nas mãos de uma criança,
E jamais acordará em mim.



Francisco Luís Fontinha – Alijó
20/01/2020

domingo, 19 de janeiro de 2020

O homem de negro


Durante a noite, sem horários dentro de mim, atravesso as portas enferrujadas do Inferno.
Visto-me de negro,
Assalto as janelas da escuridão,
Antes de acordar o Sol.
É tarde.
O sono brinca no silêncio das fechaduras da insónia,
Os primeiros transeuntes, também eles, vestidos de negro,
Avançam em minha direcção;
Tenho medo, mãe!
Não sei se vou acordar, hoje, porque sinto-me envergonhado, por estar vestido de negro.
As pirâmides, que assombram o meu pensamento, dançam sobre um rio desenhado na minha mão,
Trago as pedras, e sou capaz de apedrejar esta maldita solidão, que abraça os musseques da minha infância.
Uma multidão em revolta, vem para mim,
Não sou capaz de correr, saltar, descer os socalcos que me separam do dia;
Ai os dias, ai os dias!
São todos iguais.
São dias, pedacinhos de quadricula numa folha de papel, que alguém apelidou de calendário.
Andam rápido. Caminham como serpentes, quando o Sol aquece a presa, o manjar prometido por Deus.
Morre-se, morrer-me como quem fuma um cigarro envenenado pela tempestade,
No sacrifício dos dias.
Durante a noite, fumo.
Bebo pequenas gotículas do tão falado vénedo, mato os pássaros, e fica em mim a saudade,
Simplesmente, às vezes, entram em mim as carruagens que trazem os pequenos blocos de granito,
Folhas de silício, almofadas para uma noite doente, sempre que oiço os gonzos da madrugada.
Durmo.
Esqueço a saudade.
E, prometo acordar cedo.



Francisco Luís Fontinha – Alijó
19/01/2020

quinta-feira, 16 de janeiro de 2020

As paredes de xisto


A fragilidade do corpo embrulhada no sono,
O cansaço das palavras, inertes, mortas,
Nas páginas sonâmbulas da tristeza,
O vento chora,
Traz a chuva,
Vai embora.

Todo o silêncio é pouco,
Quando os farrapos da saudade,
Envelhecem na escuridão,

A metáfora,
O sorriso das plantas,
Junto ao mar,

E inventam-se rosas em papel,
Comestíveis, às vezes, quando a fome é invisível,
Descendo o rio,
Saltando a ponte metálica,
Em direcção ao Sol,
Em direcção ao abismo.

Não quero pertencer a este conflito de interesses,
Caixas em cartão,
Revoltadas contra a geada,
A chuva, miudinha, perde-se na calçada.
E, no entanto,
Estou aqui,
Esperando o regresso das lâminas lágrimas,
Como se fossem balas de raiva, contra as paredes de xisto.



Francisco Luís Fontinha – Alijó
16/01/2020