quarta-feira, 4 de dezembro de 2019

O meu funeral


Não posso estar presente
No dia do meu funeral.
Lágrimas derramadas por muita gente,
Rancores de raiva me querem tão mal.

Tiveram o cuidado
Em vestir-me a rigor,
Fato e gravata, no caixão deitado
Multidão que chora presente dor.

Porque choram pergunto eu desanimado!
E só depois de ter morrido
Compreendi a razão de ser odiado...
Sinto-me triste por ter nascido!

E estou feliz deitado
Neste caixão em madeira...

A presença do vigário
Nunca me agradou,
Fizeram tudo ao contrário
Daquilo que o meu pensamento planeou.

Não me importo. Irei contrariado...

Poucas horas deitado
E já me sinto distante,
-Porra. Sinto-me cansado
De olhar tão triste gente.

Estou pronto para embarcar.
No meu quarto depositado
Ouço alguém cantar
A canção do abandonado.

Choram as mulheres lágrimas na escuridão
E feliz, vejo crianças a brincar,
Brincadeiras à volta do meu caixão
Antes do cangalheiro as portas fechar.

Começa o maldito padre uma “merda” qualquer,
E eu que nem padre queria.

Fecha-se o maldito caixão
E o meu olhar perde-se no meu corpo cansado,
Gritam então..., meu querido filho! Filho da minha alma meu coração...
E tudo fica calado.

Missa não tive, missa não.
O maldito padre apressado
Reboca o meu pobre caixão,
E eu a rir porque vou deitado.

Lançar as cordas. Corpo ao fundo. Finalmente...
A terra cobre-me como sempre tinha pensado,
Terra que tudo mastiga, terra que engole gente.
Assim descansa o meu corpo cansado.

Mais tarde uma lápide foi colocada
Em memória de um tal Luís Fontinha, data de nascimento...
Nascido em Janeiro e Luanda apaixonada
Meu filho querido tristeza do meu sofrimento.

E a lápide foi apagada.
Um anjo na escuridão
Novas palavras escreveu pela calada,
Aqui Jaz Luís Fontinha, aqui apodreces maldito “cabrão”.


Sete anos mais tarde.

As letras no tempo foram apagadas
Tal como uma folha de papel dourada.

Outro no meu lugar foi enterrado
Juntamente com os restos que sobravam de mim,
E eu sem culpa alguma compartilhei o mesmo valado
Que mais tarde alguém fez um jardim...




Francisco Luís Fontinha
Algures em Belém/Lisboa – 87/88

O sol


Não o sei.
Foram pedras da calçada que arranquei.
Foram lágrimas que chorei.
Não o sei.
Esta terra que semeei,
E depois me cansei,
E depois me sentei,
Não. Não o sei.


Não o sei.
Porque morrem, aos poucos, as palavras que plantei,
Na folha de papel que rasguei.

Não.
Não o sei.

Não o sei.
Porque brotam lágrimas esta lareira que amei.
Esta fogueira que incendiei,
Na madrugada que pintei.


Não.
Não o sei.


Não o sei.
Porque sinto os combóis que nunca sonhei.
Não o sei,
Porque brincam meninos na seara que pisei…


Mas uma coisa eu sei.

Que o Sol que bilha, não fui eu que o pintei.



Francisco Luís Fontinha – Alijó
03/12/2019

segunda-feira, 2 de dezembro de 2019

A casa


Sinto-te nesta casa fria e escura.

Neste casebre abandonado,

Sinto-te nas paredes cansadas desta espelunca,

Na sombra de um qualquer coitado; eu.

Sinto-te em perfeita brancura,

Das palavras que escrevo e pronuncio…

Que nunca,

Vou desenhar uma gaivota em cio.

 

Sinto-te como se fosses uma pomba.

Sinto-te como se fosses uma bomba,

Esquecida no mar,

Esquecida de rebentar.

 

Sinto-te e não te vejo.

Pareces invisível neste labirinto.

Pareço o Tejo.

Voando baixinho, quando não minto.

 

Sinto.

Sinto tudo isto enquanto não consigo adormecer.

Sinto a calçada chorar.

Sinto o meu corpo sofrer…

Com medo de morrer.

Com medo de acordar.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

02/12/2019