quarta-feira, 28 de junho de 2017

A casa


A casa desocupada e infestada de bichos marinhos,

Os ninhos do meu quintal estão recheados de pergaminhos,

Palavras soltas,

Palavras mortas,

Vivas palavras rompendo a madrugada,

Sem nada,

O infeliz meu corpo deitado na casa desocupada,

Escrevo no chão,

Minha mão estremece a cada sílaba adormecida,

Vomito poesia sobre a janela envidraçada,

E imagino a louca Calçada…

Ajuda, não ajuda,

O eléctrico dorme na minha cama esganiçada,

O comboio para Cais do Sodré engasga-se em Alcântara Mar,

E o sonâmbulo adormecido descarrilha ao passar pela minha sombra,

Uma tragédia, meu amor,

A casa,

Desocupada e infestada,

De livros,

Quadros,

Esqueletos…

E restos de ossos,

Poeira,

Alvorada fora até ao nascer do Sol,

Bebedeira, o esqueleto cambaleia…

Saltita,

E volta a adormecer no meu peito,

Nada me resta,

Nada tenho para te oferecer, meu amor,

A não ser, a não ser… algumas velhas flores,

Pedres,

Envelhecidas como nós.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 28 de Junho de 2017

segunda-feira, 26 de junho de 2017

Envenenadas pelo silêncio


Percorro este caminho de pedras envenenadas,

Cada palavra escrita é um novo suicídio…

A aldeia de chocolate evapora-se ao pôr-do-sol,

O teu corpo permanece impávido com a minha presença,

Aventuro-me no teu cabelo…

Fresco ao nascer do sol,

Um livro poisa nos teus lábios recheados de poemas e beijos abstractos,

Sinto-o…, sinto-o quando acordo e apenas vejo a tua sombra

Na penumbra dos meus aposentos empoeirados,

Não me vês, não pertences aos esqueletos de prata

Que brincam na minha biblioteca,

E, no entanto, sei que existe em mim a tua pobre sombra,

Ao fundo do horizonte um rio que chora a tua partida,

Apenas cruzo os braços e deixo-te partir como uma gaivota sobrevoando o mar…

Deixo-te ir…

E canto uma canção para alegrar os arbustos em teu redor,

O Tejo é o Tejo…

A ponte que te iluminava nas noites inquietas,

Os cacilheiros apressados e tu indiferente aos seus anseios…

Não tenho pena nem sinto tristeza,

Já tive e vi muitos barcos…

Reais, de papel… e de esferovite,

Desenhei-te pela última vez de costas para a cidade,

Sentias-te cansada das minhas mãos…

E das minhas palavras,

Percorro este caminho…

De pedras…

Envenenadas pelo silêncio.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 26 de Junho de 2017

domingo, 25 de junho de 2017

A casa dos encantos


Domingo, um abraço chuvoso,

O fogo absorve-te na imensidão do espaço,

Evapora-se nos teus cabelos frescos como a água da ribeira…

Domingo,

Um abraço na carcere do esquecimento,

A flauta suspensa nos teus lábios…

Enquanto em mim permanece acesa a musicalidade da saudade,

Tenho em mim os marinheiros esfomeados do sexo,

E das bebedeiras noites junto ao mar,

A inocência granítica do teu corpo voando na minha mão,

És uma estátua invisível como são invisíveis todas as estátuas,

Olhos cerrados,

Mãos maniatadas,

O uísque em pequenos tragos na melancolia do dia,

As palavras, Domingo, um abraço chuvoso,

A poesia incinerada na tua boca de papel…

Ardem as cidades do sono,

O fogo…

No teu corpo de vidro,

Os barcos amarrotados esperando seus passageiros clandestinos,

Um comandante embriagado…

Prisioneiro de um Domingo chuvoso,

Um abraço,

Até sempre…

No espelho convexo da tua nuvem favorita,

A poesia morre?

Domingo, um abraço, chuvoso,

E o fogo leva-te para as minhas cinzas misturadas na terra húmida…

E toda a sanzala é nossa…

A casa dos encantos.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 25 de Junho de 2017