sábado, 20 de maio de 2017

Cartas sem remetente


Nas asas do teu ventre construi caminhos incertos,

Percursos amestrados suspensos na solidão de um bar,

Um copo explode, e morre nos meus lábios…

Ai como eu gostava de pernoitar nos teus olhos verdes!

Escrevia cartas sem remetente,

Palavras sem significado,

Abstractas cidades nos rochedos da morte,

Quando as ruas absorvem as pontes da liberdade,

Amar-te-ei?

Não o sei…

Regressa a noite ao teu sexo,

Funde-se no luar a escuridão das tuas coxas,

E o poeta desalentado, morre, parte para o infinito,

Sinto no teu perfume a fragância da manhã,

Levanto-me tardíssimo, ao pôr-do-sol…

A voz levita nos planaltos da inocência,

Vive-se caminhando na tua sombra doirada,

Uma varanda de néon com vista para o jardim,

Vive-se no insignificante sorriso da distância,

Lá longe, aí vem o levante sonolento homem da infâmia…

E esconde-se na tua pele.

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 20 de Maio de 2017

sábado, 13 de maio de 2017

Sonho numa noite de suicídio


Nada disto sonhei

Quando te abracei pela última vez,

Havia silêncio,

Havia uma imensurável espada de luz

Descendo o meu corpo desnudo,

Sabia que todas as palavras repetidas nas janelas do teu olhar

Eram apenas sombras debaixo do luar,

Um flácido orgasmo de solidão iluminava-nos

Nas ranhuras ténues dos túneis da vergonha,

Partiram, todos,

Hei-de escrever no teu peito o velho poema da solidão,

A passadeira encarnada pronta a ser pisada pela tua mão

Como um petroleiro em cio,

Hei-de esculpir nos teus seios a presença da minha ausência…

Um vazio poema arrancado da ingrime folha em papel,

O sono voltou,

E nada disto sonhei…

Afligi-me a paixão dos desertos,

Afligi-me o tempo perdido que a tua boca construiu neste muro em xisto,

Abraças-me pela última vez,

Havia silêncio,

E nada disto sonhei na áurea madrugada da morte.

 

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 13 de Maio de 2017

sábado, 6 de maio de 2017

Os dias das noites cem dias


Os dias entre dias

Nos dias sem dias…

Cem dias passaram

E sem noites

Cem noites me acorrentaram

Aos livros perdidos nos dias

Aos livros perdidos nas noites

Sem dias

Cem dias passaram

E sem noites acordaram

Os dias

Sem dias

E cem noites

Acordados

Nos escombros do papel queimado…

 

 

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 6 de Maio de 2017