terça-feira, 21 de março de 2017

103 com vista para o mar


No corredor aglomerados de aço

Cadáveres de barcos

Braços

Sombras de amor embalsamadas

Passeando na réstia manhã adormecida

Lá fora o mar entranhado nas ervas esquecidas pelo Criador

Chove

Há nas quatro paredes invisíveis

Gotículas de uma lágrima sem nome


Em direcção ao infinito

Os gemidos

A fome disfarçada de noite

Lá fora o mar

Pintado no térreo pavimento da dor

Não há palavras

Poemas

Textos

Nada

Nada

No corredor

Aglomerados

Aço

Enferrujado

Velho

Sem saber a que cidade pertence

A idade

A idade em corrida

Tropeça na Calçada

Dorme

Acorda

E finge…

Finge não ter medo da madrugada.

 


Francisco Luís Fontinha

domingo, 19 de março de 2017

Cidade em pó


Imagino os teus olhos lacrimejantes nas paisagens do Congo,

Transportavas no corpo as serigrafias do sono…

Que apenas um rio te separava da inocência,

Tinhas na algibeira os cigarros e a fotografia da tua mãe…

Inventavas poemas com palavras esquecidas no capim,

Que o cacimbo apergaminhava na aventura da escuridão,

Lá longe ficava a barcaça imaginária de um dançarino obsoleto,

Sentavas-te nas montanhas da tristeza e rezavas,

Rezavas pela melancolia dos destinos transparentes do olhar de uma serpente,

E nunca percebeste que eu um dia eu te recordaria como um sonâmbulo obscuro,

Que transporta os alicerces de uma cidade em pó…

E em pó te transformaste.

 

 

Francisco Luís Fontinha

19/03/17

sábado, 18 de março de 2017

O beijo do silêncio madrugada


Um beijo que o silêncio madrugada

Afaga na escuridão da ausência,

As silabas estonteantes do sono

Que adormecem nas velhas esplanadas junto aos rochedos,

Vive-se acreditando na miséria do sonho

Quando lá fora, uma árvore se despede da manhã,

Um beijo simples,

Simplificado livro na mão de uma criança,

Um beijo,

No desejo,

Sempre que a alvorada se aprisiona às metáforas da paixão,

Sinto,

Sinto este peso obscuro no meu coração,

Sinto o alimento supérfluo da memória

Quando as ardósias do amanhecer acordam junto ao rio…

E na fogueira,

Debaixo das mangueiras…

Os teus lábios me acorrentam ao cacimbo,

Sou um esqueleto tríptico,

Um ausente sem memória nas montanhas do adeus,

Um beijo que o silêncio madrugada

Afaga na escuridão da ausência,

A uniformidade das palavras

Que escrevo na tua boca,

Sempre que nasce o sol

Sempre que acordam as nuvens dos teus seios…

E um barco se afunda nas tuas coxas,

Oiço o mar,

Oiço os teus gemidos na noite de Lisboa…

Sem perceber que és construída em papel navegante…

Que embrulham os livros da aflição,

Um beijo, meu amor,

Um beijo em silêncio

Galgando os socalcos da insónia…

Vivo,

Vive-se…

Encostado a uma parede de vidro

Como leguminosas no prato do cárcere…

Alimento desperdiçado por mim.

Desamo.

Fujo.

Alcanço o inalcançado…

E morro.

 

 

Francisco Luís Fontinha

18/03/17