sexta-feira, 8 de abril de 2016

a partida


ela partiu numa manhã de neblina

levava na bagagem a solidão dos dias e das noites acorrentada à minha mão

olhou-me pela última vez

(alguma vez te disseram que tens o coiso grande?)

Disse-me adeus

E quando alguém nos diz adeus é para sempre

Aos poucos desapareceu na neblina

Sentei-me num banco de pedra

Cruzei os braços

Puxei de um cigarro na esperança que alguém me oferecesse lume…

Pequei num livro que ela me tinha oferecido no dos outros encontros furtivos

Sempre em esconderijos

E vi o mar deitado a meus pés

Que mais eu poderia querer?

neblina

sentado

um livro

e uma ausência programada

a falsa partida

o dia mais feliz da minha vida

saltava

dançava de alegria

esta finalmente livre…

e foi a manhã mais linda de Lisboa

num qualquer Novembro cinzento e escuro

as gaivotas poisaram sobre mim

transeuntes sorriam-me e eu sorria-lhes

a felicidade era tanta que tinha medo de ser mentira

felizmente

não o era

tinha-me libertado da menina mimada

 

 

Francisco Luís Fontinha

sexta-feira, 8 de Abril de 2016

quinta-feira, 7 de abril de 2016

A infância lacuna do amor


Na longitude do amor

Desenho a cabana do sofrimento

A saudade regressa do infinito ausente musseque

Procuro os pequenos charcos da infância na algibeira do tempo

Queria ser gente

Correr

Saltar

Brincar no teu olhar como brincavam as gaivotas sobre o meu cabelo

Habitar nas tuas mãos com que afagas o meu olhar

Sentar-me nos jardins inventados pela escuridão da paixão

A solidão vive

Absorve-me como absorve as tempestades

O silêncio do medo agarrado ao meu corpo sonolento

Os meus ossos ficam colados no espelho dos tristes dias ausentado

Como uma fotografia sem ninguém

Cubro-me pela madrugada em construção

Sonho

Vivo sonhando com papagaios em papel

Imagino-me no parapeito de uma janela gradeada pelas sombras do abismo

O amor morre

Morre como morrem os fantasmas do amanhecer antes de ir para a escola

Sou um marinheiro desempregado

Passo os dias junto ao mar na ânsia que alguém me venha procurar

E novamente saltito nos charcos dos musseques de zinco

O medo

O medo de não regressar nunca

Às palmeiras de cartão

 

 

Francisco Luís Fontinha

quinta-feira, 7 de Abril de 2016