sábado, 5 de dezembro de 2015

Da tristeza de não saber que me despeço de ti sem o saber, um coitado, ele sempre um coitado...


Despeço-me de ti, sabendo que hoje é o primeiro dia da minha ausência, tive um pai, uma mãe, nunca tive irmãos, infelicidade a minha, ao menos podia culpá-los das minhas asneiras, e tantas foram, a electricidade as pinturas nas paredes do quarto, sala e cozinha, na casa de banho lia revistas, na cozinha lia livros, e no quarto

Batem à porta, a vizinha assedia-me para lhe emprestar dois ovos, uma galinha e um tractor de brincar, dei-lhe tu, menos o tractor,

E no quarto ouvia o sorriso do mar, quem, quem nunca ouviu o mar a sorrir?

Antes de acordar desenhava os eléctricos nas paredes do quarto, e esquecia-me sempre do maquinista, só, sempre só, e regressava sempre ao ponto de partida,

A chegada, o regresso acompanhado de algumas compras, presentes e um cão… deixa lá, estava só,

Vivia nas clandestinas casas do musseque, sentia o turbilhão do Machimbombo descendo o capim deitando-se rabina abaixo, zero feridos, zero mortos, apenas… apenas cadáveres vivos com olhar de mortos, não faz mal, amanhã tudo esquece, esqueço-me eu do teu rosto, esqueces-te tu do meu sorriso, e esquecemo-nos da alegria sagrada,

Sempre longe, sempre do outro lado do rio, pegava num livro, e adormecia como se fosse uma criança, desconfio

Foste sempre criança?

Desconfio que o Sol anda à volta da terra, tretas, a terra andar em volta do Sol, e eu, e eu?

À volta das dívidas, do cansaço, da tristeza

Ontem,

Da tristeza de não saber que me despeço de ti sem o saber, um coitado, ele sempre um coitado...

 

(ficção)

Francisco Luís Fontinha

Alijó, 05/12/2015

sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

Nas pálpebras o imensurável coração de prata o rio a ribeira a eira


(dedicado a Carvalhais – S. Pedro do Sul)

 

Diz-me que és

Noite amaldiçoada que me acorrenta à solidão

Prefiro a morte

Do que ausentar-me de ti

Não quero

E nunca quis…

Perder-te para a ilusão

Diz-me o que és

Sombra peregrina das manhãs de nevoeiro

Montanha desgovernada

Descendo a Calçada

Diz-me

Loiça de porcelana entre cigarros e algumas frestas de insónia

Nas pálpebras o imensurável coração de prata

O rio

A ribeira

A eira

O silêncio do sino da aldeia

Perdido nas espigas coloridas do milho

As abelhas poisadas nos teus ombros

A malvada da cidade

Em combustão

Sem idade

Identidade

Ou saudade

Feliz aquele que não tem saudades

Feliz aquele que não sabe o que é a saudade

A ausência

O medo de perder-te

De perder o teu perfume embriagado pelas begónias em papel

Saio de casa

Regresso sem ninguém

Vou a ela

E ela não vem

A noite das sentinelas de cartão

O texto saltitando na cabeça de um prego enferrujado

Suicídio

Suicidou-se com um beijo teu

Enrolou-o ao pescoço

Desceu alguns centímetros…

Foi-se

O poema

A manhã e a noite

Diz-me que és…

 

Francisco Luís Fontinha – Alijó

sexta-feira, 4 de Dezembro de 2015

quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

Despeço-me de ti



Despeço-me de ti
Enquanto o meu corpo é desventrado através da mão da paixão
Cada pedacinho catalogado
Cada sombra desenhada na penumbra das imagens da loucura
Sou eu
O teu sonâmbulo beijo
Que as árvores comem ao pequeno-almoço
Sinto-me um pássaro nos teus lábios
Um rio descendo os teus seios mergulhados na poesia minha
O imbecil
Sou eu
Recordando sonhos das tristes tempestades de areia
O miúdo dos calções
Das sandálias…
Junto ao mar esperando o teu regresso
Leio os livros que escreveste na escuridão
Com uma esferográfica de cartão
Copiando as madrugadas num caderno negro
Quadriculado
O quadrado
A esfera omnipotente da sensação de estar só
E acredita
Estou só
Só hoje
Amanhã… amanhã não
O dia aparece no meu olhar vestido de sono
Pareço um palhaço brincando num quintal longínquo
Lá longe
Das fotografias aprisionadas numa estante vazia
As personagens invisíveis da minha infância
Descendo a calçada de bicicleta
O medo de
Perder-me
Perder-te
Ou amar-te
Tanto faz
E acredita
Estou só
Despeço-me de ti
Escrevo as minhas últimas palavras
Ofereço-te a minha última fotografia
Nunca tive irmãos irmãs…
Nunca tive um País
Uma Nação para com quem conversar
Sou um apátrida
Nasci no mar
Sou filho de ninguém
E apelidaram-me de… vejam lá só… J O A Q U I M
Quim para os amigos
Senhor Joaquim para os desconhecidos
E Quinzinho para ela…
Que tédio
Nervos
Euforia de estar só neste compartimento de vidro
Não tenho cortinados
Primeiro andar
Ou escadas de acesso ao sótão
Sou um triste
Nasci no mar
E acredito que a morte é um amontoado de sonhos com acção de despejo
Tudo penhorado
A vida
A morte
Assim-assim
O dia
A noite
Assim-assim
Tive um cão de nome REX
O meu melhor amigo
Ciumento
Doentio
E às vezes… traz
Dedo para o “caralho”
Fico só
Eu e ele
A dor
O sofrimento de uma noite de Dezembro
Confesso
Não gosto do Natal
Nunca
Nunca gostei
E hoje
E hoje tenho saudades do Natal…
Porque me despeço-me de ti.

Francisco Luís Fontinha – Alijó
quarta-feira, 2 de Dezembro de 2015