sexta-feira, 29 de agosto de 2014

“amor simplificado”


Um coração mal apagado
poisa suavemente num cigarro apaixonado,
apelidam-no de “amor simplificado”,
o “amor simplificado” é um gajo porreiro,
escreve poesia,
vai todas as semanas ao barbeiro...
e ao deitar, reza,
um cadeado de palavras cerra-lhe a janela do quarto,
tem um espelho na garganta que transforma fome em alegria,
não sente ele o nascer do dia,
não quer saber ele da literatura,
nem dos rochedos com sabor a melancia...

O “amor simplificado” vive numa esplanada,
entre o mar e o “mercado”,
o “amor simplificado” tem escadas nas sobrancelhas,
domesticado e formatado como as abelhas,
nem dos rochedos com sabor a melancia...
ele tem medo,

Um coração mal apaixonado,
de mão dada com um cachimbo de prata,
o latir do cão que as trevas viu nascer...
faz com que ele invente bonecas de trapos,
e praias com areia de porcelana,
jazigos em lata,
nasce o sol e ele parece cansado de viver,
detesta os livros de farrapos...
tal como não aguenta os uivos das “madames” passeando na calçada,
o “amor simplificado” tem na testa um letreiro,
vendem-se poemas congelados
com odor a marmeleiro...

O tal,
o grandioso...

O “amor simplificado” é um gajo porreiro!


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sexta-feira, 29 de Agosto de 2014

O útero da noite...


Não sei amar,
oiço o ruído da saudade que se acorrenta às frestas da alma,
há uma janela com acesso ao deserto,
não dou importância às pessoas com sorriso de vidro,
ou... ou que habitam as florestas com asas de aço,
têm mãos de palha, há nos seus dedos forcas em espera...
não sei amar,
e oiço do cansaço adormecido o acordar da tempestade,
uma rua dentro da algibeira,
uma moeda que nem dá para almoçar...
quanto mais... jantar,
e o mendigo que me acena e convida para dançar,

O menino dança?

Vai-te “foder” mendigo que eu não sei dançar,
um cigarro suicida-se nos meus lábios,
e no meu peito deita-se um pedestal encarnado,
não sei amar,
não sei escrever,
não sei fazer anda...
o cigarro grita pelo mendigo,
o mendigo toca-me no braço,
o meu braço começa a flutuar sobre as sílabas embriagadas,
e um poema vaidoso senta-se junto ao rio...
dou-me conta que lá fora é noite,
e não quero sair do útero da noite...

O menino dança?

Vai-te “foder” mendigo que eu não sei amar...


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Sexta-feira, 29 de Agosto de 2014

quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Socalcos envenenados…


Este xisto onde me deito
E confesso os meus sonhos invisíveis,
Esta caverna sideral com clarabóias sombreadas,
Este medo de me perder na floresta dos bichos…
E este rio…!
Este rio com sabor a saudade,
Esta vida mergulhada numa cidade
Inventada,
Este xisto,
Esta montanha recheada de vaidades,
Estes pássaros que se alimentam dos meus ossos…
E me transformam em cadáver,


Este xisto e este cansaço
Que me suspendem nos rochedos do amanhecer,
As ondas que não cessam de brincar
No meu peito de sofrer,


E este abraço,
E este xisto rosado nas pálpebras da madrugada,
Esta estrada sem saída,
Esta rua deserta com palhaços,
Este xisto onde me deito
E um trapezista louco se abraça aos meus cabelos,
Este circo,
Este circo sofrido voando nos lábios dos socalcos envenenados…
Estes homens enforcados,
Este xisto,
Este xisto derretido em bocados,
Que se alicerçam aos meus segredos…



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quinta-feira, 28 de Agosto de 2014