quarta-feira, 6 de agosto de 2014

Um dia dia vou regressar?


Nunca vi o teu nome escrito na fogueira da tarde,
imaginava-te uma serpente de luar enrolada no pescoço da noite,
tinha medo de ouvir a tua voz, tinha medo... da minha própria voz,
sabia que havia um espelho onde habitavas, um espelho mágico onde aparecias depois de cessarem todas as luzes em mim,
sentava-me sobre a ponte metálica da sonolência, inventava silêncios para não ouvir os teus gemidos,
desenhava-os como se eles fossem o acordar da manhã no pulso de um mendigo de aço,
e acreditava nas palavras não ditas, aquelas que tu escondias junto ao teu peito de anémona-do-mar,
sem vontade de amar,
sem vontade de viver...
nunca vi o teu nome nas ardósias madrugadas de suor,
quando uma cama recheada de sombras cobria a tua pele...
uma janela que se suicidava, e tombava no pavimento térreo da saudade,

Uma criança que chorava, e tu, e tu pensavas que eram os mabecos enfurecidos pelo cacimbo,
e afinal, e afinal eram apenas as mãos do desejo a penetrarem em ti,
desgovernada mulher dos sete lençóis de prata...

Tínhamos uma palhota com pernas de solidão,
e nunca vi o teu nome... escrito... na fogueira da tarde,
hoje, hoje sei que a tua voz é de cristal, e com a tempestade... quebrar,
grãos de amêndoa voando na algibeira do Tejo,
os cacilheiros em apitos joalheiros, e cansados de tantas viagens sem regresso...
um dia dia vou regressar?
Nunca soube a resposta aos apelos do Oceano,
num recreio de escola, uma criança vestia-se de estátua, no seu pedestal apenas uma flor amarela, e não palavras, e não... e não sorrisos,
e... e não sonhos,
nunca via o teu nome,
em mim...
como as escoras da insónia nas frestas do gesso envelhecido.



Francisco Luís Fontinha – Alijó
Quarta-feira, 6 de Agosto de 2014

terça-feira, 5 de agosto de 2014

O Acrílico Corpo


(À minha amiga Isa V.)


No acrílico corpo esconde-se a madrugada,
escrevê-lo parece impossível, acariciá-lo... o acrílico corpo voando nos meus braços de papel,
entre flores doiradas e alicerces de suor,
sentir na tua pele a humidade do silêncio,
entranhar-me em ti... eu a gaivota do amanhecer,
no acrílico corpo, as coxas montanhas recheadas de luares de incenso,
os rochedos do medo evaporando-se em pedaços de gemidos...
os cortinados da manhã esganiçados contra a janela do prazer,
e do teu acrílico corpo, uma maré de sílabas invadindo o teu sorriso,
escrevê-lo... parece impossível,
numa cama de luz o teu acrílico corpo nu...
esperando os meus desenhos vestidos de palavras!


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Terça-feira, 5 de Agosto de 2014

segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Anémona-do-mar


O vociferar do teu corpo de anémona-do-mar doirada,
sinto-o nos meus dedos, ele entrega-se às minhas mãos,
desvairado, aparece-me o silêncio mais longo da noite,
não há estrelas que adormeçam a tua pele...
se eu pudesse.... se eu pudesse embrulhava-te no meu olhar,
acendia a lareira dos meus braços...
e... e ficávamos prisioneiros a um livro,
líamos, líamos... líamos até que os cortinados do nosso quarto vomitassem os gemidos de granito dos orgasmos envenenados...

E o livro, e o livro ardia,
e a tua pele... e a tua pele... ardia,

O vociferar do teu corpo incandescente,
descendo a Calçada da Ajuda...
levavas contigo o rio,
e... e todas as gaivotas de papel,

E o livro, e o livro ardia,
e a tua pele... e a tua pele... ardia
num Domingo de cio,

Até que eu sentia o teu corpo de cinza na minha triste algibeira!


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Segunda-feira, 4 de Agosto de 2014