segunda-feira, 5 de maio de 2014

fim de tarde


oiço-te no cansaço da noite
escreves-me
oiço-te em pequeníssimos fios de gatafunhos com sabor a saudade
folheio o teu corpo
página por página
sinto nos dedos o odor da tua pele bronzeada pela claridade do fingido orgasmo
oiço-te
e desejávamos o silêncio dos peixes,

a caneta morre entre nós
uma réstia de tinta é semeada no teu corpo com a língua do vento
oiço-te
e sinto...
as palavras prisioneiras nos teus seios
o arame-farpado da madrugada suspenso na nossa janela
sobre ti um mar de espuma com olhos de Luar
e desejávamos o silêncio...,

a doçura dos teus lábios
escreves-me
e oiço-te,

e sinto-te sob a neblina clandestina dos marinheiros em flor
sei que existe um cais onde aportarás longínqua mulher dos sonhos
de papel crepe
voando
e oiço-te quando as escadas de acesso às tuas pálpebras
rangem
e choram
como crianças antes do fim de tarde junto ao mar.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Segunda-feira, 5 de Maio de 2014

domingo, 4 de maio de 2014

casa da paixão


esta casa sem mãos
esta casa com paredes de papel
esta casa sem janelas
porta de entrada
sem música
ou... palavras,

esta casa disfarçada de corpo
o teu corpo vestido de granito
esta casa
este grito,

esta casa sem amor
nem luz
nem... nem flores
esta casa vadia
escondida nas árvores do quintal imaginário
coitada desta casa apaixonada
que sofre
que vive...
esta casa
uma casa embrulhada em poesia
esta casa sem paixão...
esta casa... uma casa sem coração.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 4 de Maio de 2014

pedaços de liberdade


não tenhas pressa de morrer
voa como os pássaros embrulhados em pedaços de liberdade
ouve a canção da madrugada
escuta as minhas palavras
pega na minha mão
vamos sonhar com o mar
não tenhas pressa em partir
viajar
porque quando descer a noite sobre ti
haverá sempre uma língua de Luar
haverá sempre um espelho com o teu sorriso...
que nunca deixará que eu te esqueça,

ouve-me
não tenhas pressa de te ausentares dos meus braços
não tenhas pressa de morrer
não
não acredites no que ouves
escuta o silêncio do amanhecer
e vamos brincar
como o fazíamos junto à Baía de Luanda
quando inventávamos barcos
e pequenos fios de luz com sabor a saudade
ouve-me
não,

não tenhas pressa de morrer
voa
voa sobre os telhados de zinco das sanzalas de porcelana
saboreia a chuva miudinha
salta sobre os charcos invisíveis do entardecer
vive
vive sem sofrer
vive... vive acreditando que ainda existem manhãs de Primavera
vive... como se fosse hoje o teu último dia
e acredita
e não tenhas pressa de morrer
… não.


Francisco Luís Fontinha – Alijó
Domingo, 4 de Maio de 2014