sexta-feira, 10 de maio de 2013

Eu sou um pássaro que poisa hoje aqui, e amanhã, não tem onde poisar

foto: A&M ART and Photos

Pouco ou nada nos pertencia, e a lua, que eu sempre tinha ouvido dos vizinhos ser pertença do senhor nocturno com olhos penteados como bicos de papagaio subindo o céu, e de um simples cordel, suspendia-me como débil que eu era, não às árvores do quintal, mas a um enferrujado portão de entrada, eu sentava-me, eu poisava os cotovelos, eu imaginava das grades crescerem leões e jibóias... que histórias ouvia, sem que tenha algum dia visto, sentindo ou olhando, uma, duas, três... e a única cobra que realmente apareceu na minha vida, essa, chamava-se Etelvina, tinha calafrios quando lhe tocava e ressonava durante a noite, não como porcos, porque esses ainda conseguem ser mais silenciosos do que ela realmente o era, mas coitada, falecida, partiu para longe, e dos mortos, em alguns mortos, eu, não, falo...
só falo na presença do meu advogado, queixava o cigano marreco acusado de malabarismos dentro de uma velha tenda onde vendia, CD'S pirateados, cuecas a cinco euros, digamos doze pares, e não esquecendo telemóveis com chamadas grátis para todas as redes, incluindo a rede presidiária onde iria permanecer os próximos seis meses de vida, ele, não via as coisas por esse prisma e considerava a prisão como uma reciclagem, aperfeiçoamento dos infinitos malabarismos da sua longa carreira,
Fantástico, para
só eu, pouco, ou, pouco ou nada, sobejava do teu peito ofegante, como o pensávamos quando abríamos a janela do quarto, e bem lá longe, talvez do outro lado do silêncio, ouviam-se-lhes os gritos de revolta das ondas ensanguentadas pela velha e nojenta espuma vómito dos caracóis de corrida, sempre em luta contra as semanas de ausência do senhor nocturno com olhos penteados como bicos de papagaio subindo o céu, e eu, claro, confesso, gostava dele
Fantástico, para a próxima vendo-te um avião em peças, é só encomendares e marcarmos o local de entrega, e eu completamente embriagado pelos olhos da Etelvina perguntava-me – Para que raio preciso eu de um avião? - assinei o contrato sem o saber, e em primeiro, as letras de tão pequeninas, recordavam-me os ordenados de muitos desgraçados deste País, tão pequenos, tão pequenos... que nem com uma lupa se conseguem ver
é tal e qual como as coxas da Etelvina,
Depois a minha embriaguez, combinada com uma certa dose de gaguez, e daqui a pouco, com os guez... esqueço-me da promessa da menina Etelvina, eu caso, senhor nocturno com olhos penteados como bicos de papagaio subindo o céu, mas primeiro tem de dar aquilo que me prometeu, e como diz a palavra, Prometeu nunca prometeu nada, absolutamente nada, e a minha gaguez pertencia já a um fundo imobiliário, rentável a tal ponto, que repentinamente vi-me com dinheiro suficiente para comprar o que tinha prometido à menina Etelvina e ainda sobejaram algumas moedas, em caso de dita guez... voltar, regressar a mim e entranhar-se-me nos ossos ditos pertencerem ao meu esqueleto, a dúvida persiste, porque neste momento, ninguém
nem eu consigo determinar o que pertence a quem e o quê,
E ninguém acredita que eu tenha realmente adquirido o dito avião, mas a verdade é que sim, só não o adquiri como dorme sobre o meu guarda-fato, e durante a noite, não sempre, oiço-lhe o rosnar, levanta-se, abra a janela, e depois
é tal e qual como as coxas da Etelvina,
Desaparece no nocturno céu como as abelhas da ilha inventada pelas insónias da minha menina, a Etelvina, que ainda acredita, que eu, ando perdido no Oceano, à deriva, em pequenas rotações, mas verdade verdadeira
eu sou um pássaro que poisa hoje aqui, e amanhã, não tem onde poisar, e
Depois de amanhã, quando acordar o Sol, se acordar, e se tu, desculpa, morreste numa manhã de Novembro, mas havia sobre nós
o quê?
Estou totalmente arrependido de ter adquirido tal objecto, que uns chamam de avião, outros, avioneta, e outros... pássaro de quatro patas,
o quê?
Gostava dele...

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

desabafos cansados

foto: A&M ART and Photos

desabafo com as sílabas cansadas
emprestadas por ti
ontem

desabafo escrevendo asneiras nas paredes do cansaço
começando por mim
terminando
sempre
sempre sem um simples abraço

desabafo sem perceber que perdi o teu corpo num paquete devoluto
perdido numa cidade

esfomeado
esquecido
e achado
por uma galé desgovernada
que levita
e acredita
no poder de um granada
uma bela granada de simples palavras com asas...

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
Poemas de Francisco Luís Fontinha vão integrar a Colectânea de Poesia – Palavras de Cristal Vol. I.