sábado, 26 de janeiro de 2013

Há alheiras com fotografias a preto e branco

Fictícias palavras nos feiticeiros lábios dos amores incompreendidos, por vezes, perdidamente esquecidos na berma de uma rua sem saída, e ao fundo, bem lá longe, do enorme corredor de orvalho oiço-te balançando entre espadas com lâminas de desejo e ferros de açúcar que se espetam silenciosamente no peito da mulher desenhada numa tela de vidro doirado, abrem-se todas as luzes, e no entanto, ela ficou quieta, dócil, às vezes voa pela casa, e de tecto em tecto, e de espelho em espelho, multiplicam-se
Hoje são milhares, como a formigas sobre as sandes de marmelada numa tarde de praia, as finas areias brancas solidificavam-se nos pés emagrecidos da criança perdida e que procurava os sobejados pingos de saliva que o vento vomitava contra os rochedos de insónia, não dormíamos, não comíamos, e hoje, somos milhares, como as formigas, fictícias abelhas entre dois Sábados consecutivos, ela sozinha, eu sozinho, multiplicam-se, e sobressaem nas camisolas de pura lã virgem, quando as ovelhas do padrinho desciam a montanha, havia noites sinfónicas com hastes e palavras embriagadas pelos cretinos guardas que existem em todas as prisões imaginárias, tantas coisas dentro da minha bocas, coisas
Poucas, muitas, sons, cheiros, tanta coisa em mim disfarçada de palavras, de sombras, de calçadas, enormes dentes de marfim do crocodilo em pau preto, bela escultura, antiquíssima silhueta de arame farpado que dividia Angola e o antigo Congo Belga, e ele
Vou atravessar o rio,
E desapareceu como desapareceram todos os meus sonhos, e como desapareceram os triângulos das minhas folhas de papel, a cartolina resumia-se a um pedacinho de ardósia desnorteada, sem nome, com fome, à procura
Dos velhos machimbombos da agonia em cachimbos de água, lembras-te Fernando?
Dos pasteis de nata embrulhados nos cigarros, hoje são milhares, como a formigas sobre as sandes de marmelada numa tarde de praia, as finas areias brancas solidificavam-se nos pés emagrecidos da criança perdida e que procurava os sobejados pingos de saliva que o vento vomitava contra os rochedos de insónia, não dormíamos, não comíamos, e hoje, somos milhares, como as formigas, e os cigarros de ontem eram os cigarros de hoje, como as horas que
De Sábado em Sábado, entre duas sílabas de tinta dentro do aparo, aglutinado, e às vezes
Apertar-lhe os pescoço como um laço de corda vestida de luz, não matá-lo, não, e às vezes oiço-te desordenadamente caminhando nas pedras azuis poisadas sobre a cristaleira, não matá-lo, não
E às vezes (as alheiras saborosas) atravesso o rio, sento-me do outro lado e recordo entre Sábados e cigarros os cheiros, as luas, as plantas e os pássaros
Do antigo Congo Belga,
As plantas e os pássaros, os cortinados e as janelas do amor, e nunca esquecer as clarabóias da paixão debaixo dos tectos com estrelas de silicone, vícios desfeitos em trapos, e ruas, e calçadas, e espero, desespero
O jantar está pronto,
E eu não quero saber do jantar de hoje,
Do antigo Congo Belga, algumas fotografias, e o arroz com chouriço durante trinta dias de tortura alimentar, e enquanto comia, imaginava que no prato de alumínio viviam os seios da mulher desenhada na tela de vidro doirado, parvalhão
As alheiras óptimas, saborosas,
Como os livros empilhados no pavimento térreo da vida que construí numa noite de tempestade, os barcos morreram, de quê?
Estupidamente afogados no rio que separava Angola e o antigo Congo Belga, ao longe, muito longe, ao fundo do corredor de escuridão uma criança de medo inventa papagaios de papel, sorri, saltita entre dois Sábados e três fotografias do antigo álbum que guarda os mortos momentos das vidas encalhadas por quatro cantos de uma vivenda em Casais, demorava-me
Como os livros empilhados no pavimento térreo da vida que construí numa noite de tempestade, os barcos morreram, de quê?
Demorava-me a barbear, e deixei de me barbear, demorava-me a pentear, deixei de me pentear,
Fizeste a contagem das cabras, Francisco?
Esqueci-me, não contei hoje, e aqui entre nós, entre dois Sábados, nem ontem as contei, que se lixem as cabras e os montes e as terras e as palavras de gordura como torresmos em sandes de marmelada, longe, muito longe, numa tarde de praia, havia abelhas bronzeadas, havia borboletas apaixonadas, por borboletas abelhas bronzeadas, de quê, Francisco?
Afogados no rio que separava Angola do antigo Congo Belga, fotografias a preto e branco, alheiras e chouriças de Trás-os-Montes, o presunto chegava de cá, lá
E os barcos meu amor?
Como serão os barcos apaixonados por traineiras ou cacilheiros? E lá
E os barcos meu amor?
Como os livros empilhados no pavimento térreo da vida que construí numa noite de tempestade, os barcos morreram, de quê?
Afogados meu amor, a fo ga dos...
Todas e todas,
Demorava-me a barbear, e deixei de me barbear, demorava-me a pentear, deixei de me pentear, demorava-me a dormir, e deixei de dormir, demorava-me a comer, e deixei de comer, demorava-me a atravessar o rio, de deixei de ver os salgados comboios em direcção ao infinito, às vezes, poucas, lá longe, muito longe, ao fundo do corredor, terceira porta à direita, ele lá
A fo ga dos,
Como os mármores sobre os telhados de madeira, subia e sentava-se, e eu
E eu ouvia-a soletrar palavras ensanguentadas de um jornal acabado de ser atropelado pelos salgados comboios em direcção ao infinito,
Sabiam-me os poemas que lia a incenso, e deixei de barbear-me porque demorava-me a contar as cabras quando regressavam do pasto, ao fundo, do corredor, (esqueci-me, não contei hoje, e aqui entre nós, entre dois Sábados, nem ontem as contei, que se lixem as cabras e os montes e as terras e as palavras de gordura como torresmos em sandes de marmelada, longe, muito longe, numa tarde de praia, havia abelhas bronzeadas, havia borboletas apaixonadas, por borboletas abelhas bronzeadas, de quê, Francisco?),
A fo ga dos,
Todos e todas,
Entre dois Sábados, nem ontem as contei, que se lixem as cabras e os montes e as terras e as palavras de gordura como torresmos em sandes de marmelada, a fo ga dos, Francisco?
Todos,
Todas,
A fo ga dos...
Como drageias que os loucos comem, como todos, como todas, as tardes perdidas, como todos, como todas, as tardes de janelas encalhadas na areia das fachadas em ruínas, o mar em ruínas, os barcos em ruínas, todos e todas
A fo ga dos.

(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Incessantes incompletas manhãs da tua ausência


Incompletas todas as manhãs da tua ausência
e sei que o teu perfume brinca no roseiral
esperando pacientemente que acorde um fio raio de sol,

Incompletas todas as lágrimas
recheadas com mel e madrugada
salgada,

Incompletas as tuas dóceis mãos de Primavera
que descem imaginariamente pelas ranhuras do meu corpo embaciado
pelas lanternas da inventada paixão,

Incompletas
as plantas e os pássaros e os lábios da noite vestida de insónia
incompletas as brincadeiras desenhadas numa ardósia
por duas crianças apaixonadas
e incompletas vaidades
entre as paredes cansadas
os livros coxos
mochos
castanheiros cavernais que as tardes construíam no bairro do hospital
chovia e o vento escrevia amor numa seara de trigo
chovia sempre que alguém invocava a dita palavra
que a húmida terra escondeu das incompletas manhãs da tua ausência,

Aglutinavam-se as incessantes veredas lilases dos pilares de orvalho
escrevia-se amor com o espeto de aço inoxidável
e enrolávamos o volante de borracha no pescoço saudável,

Libertos dos cigarros libertos das drogas libertos do álcool
percebíamos que as incompletas manhãs no roseiral
eram plumas viscosas dentro de uma jarra de zinco,

Os telhados verdejantes das malditas ressacas sem corações apaixonados
os velhos e os novos e os defuntos moribundos
dentro de quatro paredes
sentados no chão
a extraírem a raiz quadrada de 3 865 156.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

As plantas carnívoras da menina Margarida

O tecto da igreja desabou, o sacerdote de batina suspensa nos ombros saiu em demandada como se Sábado deixasse de ser Sábado, como se hoje houvessem plantas ornamentais nas esplanadas complexas das varandas em solidão, uma velhinha chorava quando no rádio da vizinha a canção maldita começava a rosnar, e enfurecida, ela
Plantas carnívoras, senhor prior? Sim menina Margarida, a nossa querida igreja foi invadida por carnívoras plantas, sabe-se lá de onde vieram, talvez tentações do ensanguentado e tentador Diabo,
Diabo senhor prior?
Não sei, não sei menina Margarida, mas confesso-lhe que começo a ficar com medo, que já não durmo como dormia, que vejo sombras nas paredes do meu quarto acanhadíssimo, porque nunca há dinheiro para as obras, e os fiéis
Defuntos e não defuntos,
Tesos como os barrotes do senhor Manuel, que ele utiliza como escoras do alpendre semeado sobre o primeiro piso térreo da mansão, quatro paredes com buraquinhos por onde se avista, ao longe, o mar desenhado num lençol que a tia Margarida deixou estendido na varanda, e durante a noite,
Porque,
As faíscas desagradáveis dos silêncios embaciados que o fumo do cigarro do senhor prior deixou ficar sobre as flores embalsamadas, as plantas carnívoras multiplicam-se como de impostos se tratassem, e a velhinha Margarida reclama
A minha reforma já nem me chega para comprar água,
Porquê?
Porque o tecto da igreja desabou, o sacerdote de batina suspensa nos ombros saiu em demandada como se Sábado deixasse de ser Sábado, como se hoje houvessem plantas ornamentais nas esplanadas complexas das varandas em solidão, uma velhinha chorava quando no rádio da vizinha a canção maldita começava a rosnar, e enfurecida, ela contava religiosamente os cêntimos que nunca sobejavam,
E ao longe o senhor prior
Não me fale em cêntimos, menina Margarida, não me fale em cêntimos,
Vou falar-lhe em quê senhor prior? Vou falar-lhe em quê…
Olhe
Porque,
Fale-me em plantas carnívoras, fale-me no Diabo, fale-me
Diga, diga senhor prior,
Fale-me na cidade de Luanda que festeja hoje o seu 437º ano de existência, mas por favor, por favor menina Margarida
Não me fale em cêntimos que me recordam um canino que tive na infância, e que Deus o tem, em qualquer sítio, julgo eu, como
Olhe
Porque,
Como as faíscas desagradáveis dos silêncios embaciados que o fumo do cigarro do senhor prior deixou ficar sobre as flores embalsamadas, as plantas carnívoras multiplicam-se como de impostos se tratassem…
 
(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
Alijó


quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

(    )
Sobejaram os cornos pigmentados de sílabas monótonas e sons melódicos das tardes invernais e travestidas de lilases vestidos de cetim, ou então
Que lindos
Ou pior
Vou-me casar, não me chateies,
Ora este,
Casar-se, Com quem?
Se nunca vi esta ave de rapina com alguém, nem sequer com um ramo de flores ao peito, nem sequer apaixonar-se ele conseguiu e a mastronça (ele vestido de ela) agora diz que se vai casar (há cada uma que até parecem duas),
De
Pimenta,
Ou pior do que isso
Desenhar-te em fragrâncias a inocência dos pingos de chuva cinzenta, alta, esguia, égua de longa duração, saltitando sobre as espuma do mar oceano, as gaivotas suspensas nos guindastes de vento enquanto do sacerdote vagarosamente lia as palavras mágicas, ele
Adormeceu em “Aceita” e quando acordou o respeitado sacerdote pronunciava a frase imaginária “Até que a morte os separe”, estremeceu, cambaleou-se como se o vento das tempestades de areia assistisse também ele às cerimónias, lá fora os barcos de recreio brincavam junto ao petroleiro de lábios lânguidos de bâton encarnado em busca de um cigarro de incenso, e quando percebeu que desenhá-la numa branca parede que a inocência transformou em pingos de chuva ao cair da noite, uma rua deixou perder-se dentro da própria cidade de areia, havia livros encadernados em couro que transportavam o peso da agonia, sentia-os, e percebia-os, escondidos nas almas e nos corpos da impossibilidade sombra que as velhas mãos esqueceram nos desejos destinos das línguas de fogo que uma lareira encaixou na baía dos sonhos pincelados a verniz e a perfume de hortelã-pimenta, e respondeu
Não, não aceito,
Em pedaços, cada barco zarpou como zarpam as nuvens depois da chegada do vento, numa das ruas desertas da cidade fantasma, chorava um velho cacilheiro dos anos sessenta, na varanda do quinto andar esquerdo, um velhíssimo esqueleto de prata fumava cigarros de ervas aromáticas, diziam-lhe as vizinhas que era bom para a asma, eu
Deixava aos poucos de acreditar,
Não, não aceito,
Acreditar nos desenhos em fragrâncias que a inocência dos pingos de chuva cinzenta, alta, esguia, égua de longa duração, saltitava sobre a espuma do mar oceano, as gaivotas suspensas nos guindastes de vento enquanto o sacerdote vagarosamente lia as palavras mágicas,
Desisto, vou-me definitivamente embora das ruas desertas da cidade ruim que entrou em mim e desde então, nunca mais fui dono do meu esqueleto de oiro.

(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
Alijó

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Sapo Angola

(O amor)