segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Em sílabas teus seios de marfim


O quarto de mármore fugitivo que a noite deixa cair
sobre o lençol de linho
os sonhos
entre ossos de pedacinhos de ninho
que o coitadinho
passarinho
aliviou quando acordou a madrugada
e desceu sobre ela a morte,

a sala sem lareira
na fúria agonizante que as luzes de néon
desenham nas entranhas paredes da película fina tua pele
e não sei
e não sei se as minhas palavras amargas
são
então hoje dormiste sobre a geada fina da montanha
são as cansadas mágoas sofridas pelas húmidas tuas mãos de tecido,

tu
tu desesperadamente
com o medo da escuridão que os olhos me obrigam a caminhar
sobre ti
a areia amarela da calçada
à janela
tu desesperada mente a paixão Clementina
ciumenta os alicerces do clitóris poemas inventados,

nos poemas murmurados
que ao púbis paixão em versos clandestinos
tu
escreves-me quarta-feira
e a sorte desespera-se em mim
assim
o jardim inválido quando as asas poeirentas das abelhas
na rede cintilante dos pequenos orgasmos das flores em flor,

tudo no chão
o soalho
às cadeiras suspensas nas estantes da cave tua boca
as palavras
há palavras na garganta do pavimento térreo
livros alguns poucos poucas nenhumas em sílabas teus seios de marfim
tudo no chão
as palavras em trinta e um de Dezembro.

(poema não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
Alijó

Quatro simples palavras

Uma gaivota de luz sentenciou-me com quatro simples palavras retiradas de uma caixa espessa que vivia na minha casa, dentro de um espelho, em finais de Setembro, e orgulhosamente escreveu no meu corpo

- quero as tuas lágrimas,

a minha cansada casa ficava na periferia da cidade, havia árvores, muitas árvores até encontrar o meu quintal onde brincavam as flores da minha avó e as pombas da minha mãe, eu, eu tinha uma irmã, mais velha, crescida, e ela tinha um cavalo branco, vestia-se de branco e flutuava dentro do cacimbo como se fosse um espelho, nuvem, charco de areia finíssima que algumas vezes apareciam, outras, deixava de os ver, eu perguntava-lhe

- as minhas?

Explicava-lhe que nunca as tive, Nunca choraste? Respondia-lhe que não, Não me lembrava, nem sabia o que eram, Caixas Espessas?

- lágrimas

telhas de aço cobriam as cabeças infelizes dos rissóis e dos pasteis de nata, Belém, barcos, piolhos disfarçados de mariposas, olhos com pedaços de névoa esperavam o regresso da noite, eu perguntava-lhes

- as minhas?

lágrimas, nos carris do eléctrico padeciam as migalhas do silêncio, uma caixa espessa, húmida, e, explicava-lhe que não sabia o que eram lágrimas, ossos, carne apodrecida, não sabia, não sei, nunca vou saber porque caem as árvores no meu quintal, quinta-feira, espelho de morte na minha má grande sorte, nem a lotaria do natal, nem um simples postal, perdão, peço desculpa, em quatro simples palavras de alecrim

- quero as tuas lágrimas,

- também

eu

- as queria, quero-as, todas, aos molhos, as tripas das Marilús e afins estabelecimentos comerciais, vende-se casa dos anos setenta, calças à boca de sino, e elásticos

lágrimas,

- quero

- eu

- as minhas e as tuas

e elásticos à volta do pescoço fino e esguio até entrar dentro das nuvens que via láctea desenhava nos cornos da lua, tu desaparecias à porta da sala de estar, da cozinha chegava até nós o som da lareira prestes a partir para o outro lado da cidade, na periferia da cidade, havia árvores, muitas árvores até encontrar o meu quintal onde brincavam as flores da minha avó e as pombas da minha mãe, eu, eu tinha uma irmã, mais velha, crescida, e ela tinha um cavalo branco, e em tardes de final de texto via-a

- voava sobre os quintais zincados dos meus amigo pretos,

o cavalo ganhava asas, a minha irmã com um chapéu de flores que embrulhavam-lhe os loiros cabelos poéticos que o meu pai escrevia no tronco de uma mangueira, voava sobre os quintais zincados

- Belém, barcos, piolhos disfarçados de mariposas, olhos com pedaços de névoa

esfregava os olhos,

- eu,

ela voava,

eu e os meus amigos pretos,

- cansados de olhar o céu,

às vezes,

- poucas

ela adormecia e o cavalo ia até ao mar, depois uma gaivota de luz sentenciava-me com quatro simples palavras

- quero as tuas lágrimas,

lágrimas,

- quero

- eu

as minhas e as tuas,

- pergunto-te

o que são lágrimas em quatro palavras com muitas árvores até encontrarem o meu quintal onde brincavam as flores da minha avó e as pombas da minha mãe, eu

chorava, quando o cavalo branco com asas brancas, quando a minha irmã vestida de branco sobre o cavalo branco..., desapareciam em direcção ao mar.

(texto de ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

domingo, 16 de dezembro de 2012

não sabe ou não quer responder

estão tão distantes, as tuas mãos, de água, lá fora insípidas carruagens de espuma desaguam dentro do silêncio ma mortalidade horária que o jantar provoca em ti, ficas triste, ausente, mente, sem saberes o que fazer depois das larvas clandestinas do sorriso acordarem no teu rosto, estão, tão, tão distantes, as tuas

- as minhas mãos, de água, docemente, mente, lá fora chove, lá fora oiço o rosnar de uma nuvem com cabeça de vidro e braços e pernas, oiço-as, as tuas pequenas frases do caderno de prata, a cigarrilha atulhada de fantasmas cigarros em cadáver desperdiçados na madrugada, oiço-as, lá fora,

verdade, as tuas mandíbulas de aço no pilares circulares da estrutura óssea, abraço-a, abraço-as, todas as palavras tristes, cansadas, docemente camufladas nas árvores cobertas pelo cetim adormecido da neblina que cobre a cidade das andorinhas não sindicalizadas, coitadas, em delírio, apoiadas pelos arames enferrujados das ruas

- como me chamo?

não tens nome, não foste baptizado, não tens religião, partido politico ou pátria, és um falhado, um falhado embrulhado em palavras,

- o chicharro assado na brasa,

embrulhado no jornal de ontem, um barco com nome regressa de longe, sereias e marmelos, (o chicharro assado na brasa), ele suspenso nas minhas mãos

- como me chamo?

- não mãos,

os algerozes indignos da aldeia, o chicharro indigesto, o chicharro assado na brasa e poeirento como um livro de poemas esquecido sobre o peito dela, nas mãos, elas, nós engraçados à espera de uma mesa na esplanada dos sentidos, sentido, ouvia-o, nas caravelas de chocolate servidas num bandeja de madeira, não mãos, ele suspenso nas minhas mãos

- a canja de galinha muito boa, havia música nocturna na cave da Marilú, havia gajas com pedaços de uma sande de torresmos e coiratos, Ai filho vai uma voltinha? O carrossel em tosse e convulsão, a haste limiar do coração da galinha tonta, como me chamo?

não sabe ou não quer responder, escreveu a vítima na parede de silicone que o velho Armindo escondeu nos bolsos das manhãs de inverno, nas minhas mãos, como te chamas? Embrulhado no jornal de ontem, um barco com nome regressa de longe, sereias e marmelos, (o chicharro assado na brasa), ele suspenso nas minhas mãos, coitado do jornal de parede, coitado do chicharro, coitada de mim, só, triste, abandonada, coitada de mim, coitada

- não mãos,

às vezes os poemas emperravam nas engrenagens do carrossel, a haste metálica sumia-se e ninguém, ninguém para me beijar, ela

- um beijo, um simples e único beijo.


(texto de ficção não revisto)

@Francisco Luís Fontinha