quinta-feira, 26 de abril de 2012

Tinteiro & Aparo

Segunda-feira
a caneta pesada
terça-feira
a caneta cansada
quarta-feira
a caneta deitada
(excito-a e nada)
quinta-feira
a caneta começa a escrever
e na sexta-feira
sem eu saber
a caneta desmiolada
manda-me foder

(que saudades do tinteiro e do aparo)

A voz

Oiço a voz cansada da solidão
oiço a madrugada
poisada na minha mão
e suspiros de menta
e algodão suspiros
de quem não aguenta
a tarde em cansaços
poucos abraços
nos lábios em maldição
oiço a madrugada
oiço a madrugada da solidão
e suspiros de menta
quando uma bela flor
quando oiço a madrugada
sentada à janela
e o cortinado em clamor
afugenta
tão estranha dor
ser pedra de calçada
ou berma de estrada
ser engenheiro ou doutor
ou não ser nada.

O último adeus


O último cigarro
o último Orgasmo Pulmonar
nas tuas mãos de cinza pérola adormecida
canso-me nos teus lábios
nos teus braços
e olho-te enquanto te evaporas em mim
como a chuva que se entranha no meu corpo
como o vento que leva o teu sémen

o último cigarro
o último adeus

como o vento que sacode as tuas lágrimas
que se escondem no rio
o último cigarro
que leva o teu sémen

e te digo adeus.

(decididamente vou deixar de fumar)

quarta-feira, 25 de abril de 2012

“Estás no fio da navalha. Só tens duas hipóteses: deixar de fumar ou deixar de fumar...” (o meu médico de família)
Dia de inverno. Vento, frio e chuva. Pergunto-me onde estava no dia 25 de Abril de 1974; dentro de mim respondem, Na escola só de gajos com uma bata azul, edifício caquéctico, na parede as fotografias de dois velhos caquécticos e um crucifixo, e a carteira onde me sentava possivelmente a mesma onde se sentou o meu pai, ou não.

Estrutura cansada

Há um pilar de saudade
na sapata do meu peito
há uma viga de desejo
que poisa no pilar
que vive dentro do meu peito

há um pilar de saudade
que abraça a noite
e olha as estrelas

uma laje aligeirada
sobre o pilar da saudade
à procura da madrugada

há um pilar de saudade
na sapata do meu peito
há uma estrutura cansada
perdida na cidade
e sem jeito.

terça-feira, 24 de abril de 2012

O corpo achatado

Foder todas as palavras que escrevo
escrever todas as coisas que fodo
sem saber
não percebendo
que nas palavras de escrever
há um verbo moribundo
um corpo achatado
não sabendo
que todo
que todo o poema está doente
sofrendo
sofrendo nas sílabas do enforcado
foder todas as palavras que escrevo
e não sei
e não se devo
e não sei se devo desistir deste mundo...

escrevo
sem saber escrever
escrevo sem saber escrever
foder
foder todas as palavras que escrevo
em todas as coisas que fodo

que todo o poema está doente
que todo o poema está doente e não sente
não sabendo
sofrendo
não sabendo sofrendo
que todas as palavras que fodo
de todo
não são gente

são palavras
não sabendo
sofrendo
são palavras felizmente.