terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Ruas invisíveis

Em todos os silêncios
Te encontro
De todas as ruas invisíveis
Em todos os barcos adormeces
De todos os mares desgovernados
Em todas as sombras caminhas
De todas as acácias envelhecidas
Tristes
Cansadas
Em todos os silêncios
Te encontro
De todas as madrugadas

84,1 x 59,4 – Francisco Luís Fontinha

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012


59,4 x 84,1 – Francisco Luís Fontinha

59,4 x 84,1 – Francisco Luís Fontinha

Amor às palavras

Nunca me abraçaste
Nem gostas dos meus poemas
Detestas os rios que correm para o mar
E dizes que sou louco
E não o dizes mas talvez o penses – (não serves para nada
E não passas de um mendigo que vagueia dentro da noite)

Nunca me abraçaste
E deves pensar que o meu rosto é uma rocha
Ou um pedacinho de madeira abandonada
Quando chove e à janela do asilo peço ajuda
E fingem não me ouvir
E fingem não me ver

Nunca me abraçaste
E restam-me os ramos das árvores
Onde escrevo os poemas
Que detestas e odeias

E sou um mendigo que vagueia dentro da noite
Tenho rosto e tenho mãos
E às vezes descem as lágrimas da copa das árvores
E alimentam o meu sorriso adormecido
Numa folha de papel meia dúzia de palavras
Que copiei dos ramos das árvores que tu tanto odeias

Tenho rosto e tenho mãos
E amo loucamente as minhas palavras.

domingo, 5 de fevereiro de 2012


59,4 x 84,1 – Francisco Luís Fontinha

59,4 x 84,1 – Francisco Luís Fontinha

Rimas imaginárias

Os amigos não se amam
Desejam-se infinitamente na escuridão da noite
Debaixo de uma árvore um banco de jardim
Mergulha na solidão da tarde
Os amigos escrevem poemas num rio inventado
Que corre entre as montanhas e desaparece no mar

Os amigos não se amam
Desejam-se infinitamente na escuridão da noite

Quando o poema cresce num largo de paralelepípedos
E debaixo de uma árvore um banco de jardim
Encostado ao púbis das sílabas e fios de silêncio…
O poema em orgasmos transpira as rimas imaginárias
E os amigos
Deslaçam as mãos e despendem-se na promessa de um novo reencontro

84,1 x 59,4 – Francisco Luís Fontinha

O sonho de uma noite de geada

Desiludo-me com a vida com o amor e todas as ruas da cidade, e todas as árvores e todos os bancos do jardim, desiludo-me quando acorda a manhã e percebo que vou ter um dia perfeitamente parvo igual ao anterior, desiludo-me quando me olho no espelho da noite e vejo um menino deitado no chão, o frio é intenso, a maioria das vidraças estilhaçadas, e a porta de entrada apenas encostada e prisioneira de um cordel,
- Tenho medo de amar-te sabendo que nunca me vais amar E ela descia as escadas sem dizer até amanhã, e ela descia as escadas depois de a minha mãe aquecer água e depois de amaciar os lancis de granito e a geada começava a andar calçada abaixo e desaparecia junto ao chafariz,
Desiludo-me com a vida com o amor e todas as ruas da cidade, e todas as gaivotas e todos os barcos estacionados no Tejo, desiludo-me com a minha vida miserável, e ela descia as escadas e desaparecia em direção ao Tejo,
- Há dias felizes Nunca se cansa de gritar o vendedor de cautelas,
E há dias de merda e há dias embrulhados nas prateleiras do pôr-do-sol, e há os meus dias, quando a fome entra no meu corpo, quando as lágrimas fingem brincar na minha mão, quando me dizes que me amas, e eu, e eu percebo que nunca me amarás porque sou um miserável, porque nem dinheiro tenho para um café ou convidar-te,
- Vamos jantar?
E o jantar sobre uma mesa de mármore na morgue de um velho edifício em ruinas, desiludo-me com a primavera e com o acordar das andorinhas, desces as escadas e tropeças na geada, desces as escadas e eu sem tempo para te abraçar, e eu, todas as árvores e todos os bancos do jardim, desiludo-me quando acorda a manhã e percebo que vou ter um dia perfeitamente parvo igual ao anterior, e eu agachado no pavimento lamacento agarrado a um livro de António Lobo Antunes, a comissão das lágrimas sentada na baía de Luanda ao final da tarde,
- Vamos jantar?
E eu sem dinheiro para lhe oferecer o jantar, e eu sem dinheiro para a presentear com um simples ramo de flores,
- Tenho medo de amar-te sabendo que nunca me vais amar E ela descia as escadas sem dizer até amanhã, e ela descia as
O frio intenso e as vidraças encostadas às sombras da noite, não cama, não cobertores,
- Escadas e desaparecia no Tejo,
E pergunto-me
- Um petroleiro meu amor,
E pergunto-me Porquê pai?
E um dia vais perceber que tudo não passou de um sonho, tudo meu amor, a minha voz impressa na ardósia do fim de tarde junto aos plátanos, as vidraças meu amor, tudo um sonho construído numa noite de geada.

(texto de ficção)