sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012


59,4 X 84,1 – Francisco Luís Fontinha

Medo de amar

Olho-me ao espelho
E uma árvore caduca em sorrisos
Seios fervilham nas mãos do oceano
Com o desejo de navegar
Sem medo
Com o desejo de desejar
O mar
Nos carris desgovernados da maré
Antes de acordar o pôr-do-sol…

Olho-me ao espelho
E eu tão feio
Imundo
Olho-me ao espelho
E uma árvore caduca em sorrisos
E o meu corpo range como gotas de chuva

Seios fervilham nas mãos do oceano
Com o desejo de navegar
Sem medo

Medo de amar.

Solidão


59,4 x 84,1 – Francisco Luís Fontinha

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Qual o amor

Qual o amor impossível
Que vive em mim
Como se fosse um plátano tombado
No silêncio do jardim,

Qual o amor impossível
Que dorme e bebe da minha solidão
Qual o amor
Que finge pegar na minha mão,

Qual o amor
Que dança nas ondas do mar
Que brinca e caminha
Sem nunca me abraçar.

O miserável feliz

A vida aos poucos comeu-lhe a alegria e a vontade de viver, sobre ele poisou um lençol embebido em solidão e todas as luzes se extinguiram antes de acordar a noite,
- Nunca tive sorte ao amor Queixava-se em conversas informais entre meia dúzia de imperiais e tremoços, Queixava-se da falta de sorte com o dinheiro, Queixava-se de sempre ter vivido num estado de abandono, e quando nada mais havia do que se queixar, Queixava-se do governo e dos políticos,
E o leitor tem toda a legitimidade em questionar-me
- Será que a vida come alegrias e vontades?
E o leitor tem toda a legitimidade em questionar-me O que tem de trágico não ter sorte ao amor?, de trágico nada, a tragédia existe quando não se tem sorte ao amor, a tragédia existe quando não se tem sorte com o dinheiro, e meus amigos, a pior das tragédias é precisamente viver quase num estado de miséria encoberta por um lençol embebido em solidão e todas as luzes se extinguirem antes de acordar a noite, isso sim uma verdadeira tragédia,
- E com a crise em que vivemos Entre imperiais e tremoços Chineses ele dizia-nos que No Money No Amor, evapora-se e foge como o diabo da cruz, porque amar um miserável só em literatura, e mesmo assim, e mesmo assim… talvez uma das personagens de Dostoiévski conseguisse amar o dito miserável, mas não esquecemos que quem escreveu os miseráveis foi o grande Victor Hugo, mas não esquecemos que os tempos eram outros e que a Rússia nunca mais foi a mesma desde que as almas mortas de Nikolai Gogol morreram de fome e de miséria enquanto um Czar pançudo passava a tarde inteira a morfar esturjão grelhado e embebia-se na vodka e cantava e dançava…, e não pensem vossemecês que Victor Hugo era Russo, porque não era,
E o povo pá? Digamos E as almas pá? As almas morriam,
E entre idiotas e crime e castigo e entre as noites brancas e o jogador ou entre as recordações da casa dos mortos e o eterno marido… mendiga à janela o eterno marido abraçado a gente pobre,
- E na literatura existe sempre um miserável ou um atrofiado que sofre de amores, ou na pior das hipóteses, na literatura existe sempre um miserável e um atrofiado que sofre de amores, o chamado dois em um, homem de boas maneiras e educado, culto e inteligente, mas quis o destino que fosse miserável,
E embebia-se na vodka e cantava e dançava… e ainda hoje quando olha para uma garrafa de vodka poisada na prateleira de vidro semeada com grãos de pó um crucifixo contrai-se-lhe no estômago e um tambor de alumínio que sobejou de uma máquina de lavar roupa entra em centrifugação, e o Czar tomba como se fosse uma árvore embriagada depois de uma noite de vento,
- Será que a vida come alegrias e vontades?
Pois… não sei, mas verdade verdade é que os temas dos livros de  Dostoiévski ou de Nikolai Gogol são atuais e estão na moda e que esta merda não mudou de então para cá e nunca mudará, e não esquecendo o nosso Eça de Queirós “Os políticos e as fraldas devem ser mudados frequentemente e pela mesma razão e ele saberia certamente o que estava a dizer, só desconhecia que em princípios do século XXI as razões fossem o cheiro intenso a merda,
A vida aos poucos comeu-lhe a alegria e a vontade de viver, sobre ele poisou um lençol embebido em solidão e todas as luzes se extinguiram antes de acordar a noite, morreram de fome e de miséria enquanto um Czar pançudo passava a tarde inteira a morfar esturjão grelhado e embebia-se na vodka e cantava e dançava…
E ainda hoje, e ainda hoje enquanto morremos de fome eles cantam e dançam…, e tombam como se fossem árvores embriagadas depois de uma noite de vento.

(texto de ficção)

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012


84,1 x 59,4 – Francisco Luís Fontinha

Dias tristes

Há dias tristes
Dias como hoje
Sem sol
Sem palavras
Dias em desespero
Que chegue a noite
Dias
Há dias tristes
Dias sem o mar
Dias de solidão
Dias parvos
Abraçados a livros parvos
Que as minhas mãos folheiam
E adormecem
Sem perceber que todos os dias
Têm horas amargas
Minutos em sofrimento
Segundos de fingimento

Há dias tristes
Dias como hoje
Sem sol
Sem palavras

Dias de merda
Como todos os dias da minha vida

Há dias tristes
Dias como hoje
Sem sol
Sem palavras

Dias de inferno

terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Quando tudo é pouco


59,4 x 84,1– Francisco Luís Fontinha

Estarei eu Louco?
E o que importa é caminhar na rua
Quando acorda a manhã
E sorrir
E fingir que sou feliz

Acreditando que da noite descem vapores de iodo
E poisam sobre o meu corpo amarrotado pela solidão
O que importa mesmo é fingir
E sorrir

E fingir
Que sou louco
E fingir que tenho tudo
Quando tudo é pouco

Estarei eu Louco?

84,1 x 59,4 – Francisco Luís Fontinha

59,4 x 84,1 – Francisco Luís Fontinha