sábado, 21 de janeiro de 2012

Cachimbos



Tenho cachimbos
Para dar e vender
E pena minha
Não servirem os cachimbos para comer

Tenho cachimbos em madeira
E de espuma do mar
E se os cachimbos dessem para comer
Não precisava eu de mendigar

Tenho cachimbos
Para fumar
E cachimbos para acariciar
Para dar e vender
E pena minha
Não servirem os cachimbos para comer

Hoje

Hoje
Sou um velho onde cessaram os sonhos
Hoje
Sou um velho que deixou de acreditar
E ter esperança
Hoje
Sou um velho que inventa oceanos
E desenha barcos de papel e petroleiros de papel
Nas asas de gaivotas invisíveis
E hoje esqueço-me onde nasci
Tão pouco sei se nasci
Mas lembro-me do mar pintado nas minhas costas
Quando me suspendia no pescoço da minha mãe
Hoje
Imagino um musseque perdido
E meninos de calções presos a papagaios de papel
E triciclos em viagem a circularem
Debaixo das mangueiras

Hoje
Sou um velho onde cessaram os sonhos
Hoje
Sou um velho que deixou de acreditar

Hoje
Olho os barcos de papel
Hoje
Olho os petroleiros de papel
Hoje
Eu e eles
Velhos
Sentados à fogueira a sacudir a ferrugem dos ombros

Francisco Luís Fontinha

Post-scriptum

Meu querido Luiz Pacheco,
Quando me referi que o meu pedido de rendimento social de inserção foi indeferido, por lapso, não te disse que apenas foram necessários três dias para o indeferimento,
- Três dias Pá? Foda-se os gajos em Vila Rela trabalham bem,
E que a minha inscrição no Centro de Emprego é uma treta,
- Emigra Pá,
Como vês meu querido Literalmente estou fodido, desempregado e sem subsídio algum, e apetece-me perguntar-te o que tens a dizer às novas gerações mas quase que adivinho a tua resposta,
- Puta que os pariu,
Nem mais meu querido Puta que os pariu.

Um abraço,
Francisco

Esperança e Acreditar


59,4 x 84,1 – Francisco Luís Fontinha

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Carta a Luiz Pacheco


Meu querido Luiz Pacheco,
Literalmente estou fodido, desempregado e sem subsídio algum, esforço-me e não encontro trabalho, recorri ao rendimento social de inserção e foi indeferido, pedi a isenção de pagamento de taxa moderadora e quase de certeza também vai ser indeferido, já pensei ir limpar latrinas mas devido à crise duvido que ainda exista merda para limpar porque de tanto apertarem o cinto os portugueses aos poucos deixam de defecar,
Não comem pá,
Já pensei fazer como o teu mangala que passeava pelas ruas de Braga e fazer-me à vida nos jardins de Belém mas nem para isso tenho jeito, o meu amigo doutor psiquiatra receita-me injeções e tenho de pagar um euro para me picarem o rabo,
- Pede supositórios Pá… E ainda consolas o rabinho,
Isto é se for na data marcada porque se for fora do agendamento são quatro euros,
- Estás mesmo fodido Pá,
Pois estou Meu querido,
E pronto Não sei o que fazer à puta da vida, ainda tenho os teus livros para ler e do António Lobo Antunes e do Saramago e do Cesariny e do AL Berto e do Milan Kundera e do Proust e do Gogol e do Tolstoi e do Dostoevsky, isto é, reler, porque já os li mas tal como o melhoral que nem faz bem nem faz mal, certamente voltar a lê-los também
- Tens vinte paus Pá?,
Também a noite tem algo de silencioso quando vocês entram em mim e particularmente fico fodido quando o AL Berto diz que se gritar mar em voz alta o mar entra pela janela, e abro a puta janela e o caralho do mar onde está?,
Não comem pá,
De tanto apertarem o cinto deixaram de defecar,
- Tens vinte paus Pá?,
Paus já eram e agora só existem aéreos e até ao final do mês só tenho cinquenta e cinco cêntimos,
- Essa merda dá para quê Pá?,
Para nada,
- Então estás Literalmente fodido Pá.

(texto de inspiração pessoal e dedicado ao Grande Luiz Pacheco; Lisboa, 7 de Maio de 1925 – Montijo, 5 de Janeiro de 2008)

Francisco Luís Fontinha

59,4 x 84,1 – Francisco Luís Fontinha

Por todos não custa nada


Coitadinho do senhor… E que não lhe chegam 12.000€ para as despesas do mês, que direi eu, desempregado e sem subsídio algum…

Em todas as madrugadas

Em todas as madrugadas
Vem até mim a ausência
Em todas as madrugadas
Descem até mim as estrelas
E as cordas de nylon suspensas em plátanos magoados
Balançam como corpos despedaçados pelo vento

Em todas as madrugadas
Procuro o teu corpo na algibeira dos lençóis
E não te encontro

Em todas as madrugadas
Uma janela se encerra
E uma sombra esconde o mar no estomago dos rochedos

Em todas as madrugadas
Vem até mim a ausência
E uma abelha sem asas
Poisa na minha mão
E dos corpos despedaçados pelo vento
Crescem malmequeres desgovernados nas manhãs de inverno

Hosana nas alturas