terça-feira, 1 de outubro de 2024


 

O meu pai faria hoje 86 anos. Que saudade!

A noite sem janelas

 

Assim vou partilhando

as rosas do meu jardim

em jejum caminhando

até ao infinito adormecer

pensando

e esquecendo

os dias de sofrer

dos dias sem viver

 

assim vou vivendo

comendo as rosas do meu jardim

fingindo escrevendo

poemas de amor para mim

 

assim vou partilhando

a noite sem janelas

às palavras belas

das palavras amando...

segunda-feira, 30 de setembro de 2024

A vida é assim...

 

A vida é assim...

… o amor não é assim

a vida é um espelho prateado com um crucifixo pintado

o amor o amor é uma flor

sem luz parecendo a noite

mergulhada no jardim dos teus lábios...

… assim

como as palavras invertidas e de cabeça para baixo,

 

Tonturas?

Dores de barriga

palpitações e pulsação exagerada...

vou à depilação

e sinto-o

o amor

o amor que escreve versos nas janelas do silêncio

depois de partir a madrugada,

 

A vida

meu amor

o amor

a vida é assim...

… o amor não é assim

como um qualquer

um coitado

embrulhado num cobertor,

 

A vida e o amor

eu

eu e a vida e o amor

três patéticos insufláveis bonecos com esqueleto de silicone...

a vida

a vida é assim

quando vem o amor

vai-se-me a identidade e o nome,

 

E fico

e fico a ver as tonturas

e a saudade

uma flor perfeita com pétalas de amanhecer

eu e ela e o amor e a vida...

agora já somos quatro e a aumentar

esperamos pelo amor

e fico a ver os barcos em pequenos fios de navalha...

A última ceia

 

Nesta cidade me suicido

Com a lâmina de barbear

Que sobejou da última ceia…

As árvores acompanham-me até ao túmulo

Onde dormirei até ao amanhecer,

Depois, depois serei levado por uma jangada de solidão,

Levo na algibeira as amarras,

A pequena bagagem, o indispensável,

Alguns livros,

Papel, caneta… e pincéis,

Nesta cidade me suicido

Como um cão raivoso,

Revoltado com as notícias do jornal,

Vende-se,

Compra-se oiro,

Aluga-se apartamento junto ao mar…

E do meu corpo nem conseguem falar,

Apenas que o silêncio deixou de habitar as minhas tristes mãos de porcelana,

O cansaço,

O cansaço de escrever sem perceber onde nasci,

O que faço aqui? O que faço nesta cidade pintada a preto-e-branco,

Os muros dormem enquanto desenho um sorriso na terra queimada pelo vento,

Sinto o azoto do amor descer a calçada e alicerçar-se no rio,

Sinto a alvorada a comer-me…

Nesta cidade onde me suicido,

Com a lâmina de barbear…

Da última ceia… o perigo de acordar antes do sono,

O ultimato lançado pelo desejo para que eu seja depositado num aterro sanitário…

Não, não me agrada a ideia de ser comido por coisas simples

Que alguém deitou fora…

E morre o poema sem que o poeta se levante do chão ensanguentado pelos beijos da madrugada,

O papel arde,

A caneta sonolenta, tomba no pavimento encharcado de sémen…

Apagam-se todas as luzes,

Apagam-se todos os silêncios…

E apenas eu, só, nesta cidade enraivecida pelo cacimbo.

a luminosidade eira dos sonhos

 

uníamo-nos como silêncios rochedos que o mar absorvia

e de uma pequena palavra escrita tua mão docemente desabitada

tínhamos uma janela quando a abríamo-la e poisávamo-nos como ramos de oliveira

numa orgia manhã magoada no fundo de um poço

um efémero buraco com triângulos lábios

e de uma pequena... conversa de criança

a palavra descrita quando o corpo se evapora e acompanha a manhã

hoje é segunda-feira e tudo desaparece conforme a luminosidade eira dos sonhos...

 

uníamo-nos como silêncios,

 

em prata folhas alimentadas por sombras de alecrim

abríamo-la com os pequenos sorrisos dos aleijados desenhos

que eu sem jeito nem perfeito

deixei cair nas escadas do ausentado mestre da solidão canina

parecíamos uns velhos alicates enferrujados

esquecidos à porta de uma velha tasca

na cidade grande com ruas estreitas e muitas janelas de tecido...

A Floresta do Medo

 

As palavras estonteantes que prenunciavas na minha ausência

e eu sem o saber acreditava em sonhos de infância

e cidades de vidro

e noites com lâmpadas mágicas vestidas com livros de poesia

e manhãs de quinta-feira pobres ou doentes ou quase nada,

 

De mim

quando sinto o meu corpo rolar sobre as rochas de insónia

e mergulhar no líquido viscoso dentro de uma conduta de cerâmica

oiço-os e sei que me perseguem

como cães raivosos provenientes das catacumbas do prazer,

 

Às palavras sem o destino perfume dos cinzentos fetos despidos como as ervas daninhas

quando caminham pela floresta do medo

sei que eles me perseguem

e que nunca me encontrarão porque há muito me sinto morto

longe deste silêncio disfarçado de felicidade...

A falsa casa numa falsa morada (eu)

 

Em meu sangue flutuas como uma porcelana adormecida

uma Rainha desesperada

voas entre paredes e muros e escadas...

em meu corpo habitas falsamente no compartimento exíguo

onde deixo durante a noite alguns dos meus sonhos,

 

Finjo ter em mim uma morada

uma pequena casa com asas de papel

é triste a fachada

uma casa com cortinados de aço

onde suspendes os teus desejos quando desce a noite em nós,

 

Em nós?

Se tu não existes como não existem as amoreiras da nossa infância

como nunca existiram as cavernas encastradas nas rochas junto ao mar

éramos dois barcos com velas desenhadas numa sombra vinda do céu

como vinham até nós (Nós?) os silêncios amanheceres das falsas madrugadas,

 

E inventávamos janelas de abrir no sorriso dos transeuntes

que dizimavam cigarros de enrolar

ouvíamos o ruído da água sibilando das finas esferas de açúcar

que brincavam no corredor da memória...

havíamos de reencontrarmo-nos numa qualquer paragem do eléctrico,

 

E nós?

Pergunto se algum dia existiu Nós em nós?

Um vocabulário apreendido pela polícia numa rusga em Alcântara

mesas cadeira e nós

nós? Quem somos nós?