Nesta cidade me suicido
Com a lâmina de barbear
Que sobejou da última
ceia…
As árvores acompanham-me
até ao túmulo
Onde dormirei até ao
amanhecer,
Depois, depois serei
levado por uma jangada de solidão,
Levo na algibeira as amarras,
A pequena bagagem, o
indispensável,
Alguns livros,
Papel, caneta… e pincéis,
Nesta cidade me suicido
Como um cão raivoso,
Revoltado com as notícias
do jornal,
Vende-se,
Compra-se oiro,
Aluga-se apartamento
junto ao mar…
E do meu corpo nem
conseguem falar,
Apenas que o silêncio
deixou de habitar as minhas tristes mãos de porcelana,
O cansaço,
O cansaço de escrever sem
perceber onde nasci,
O que faço aqui? O que
faço nesta cidade pintada a preto-e-branco,
Os muros dormem enquanto
desenho um sorriso na terra queimada pelo vento,
Sinto o azoto do amor
descer a calçada e alicerçar-se no rio,
Sinto a alvorada a
comer-me…
Nesta cidade onde me
suicido,
Com a lâmina de barbear…
Da última ceia… o perigo
de acordar antes do sono,
O ultimato lançado pelo desejo
para que eu seja depositado num aterro sanitário…
Não, não me agrada a
ideia de ser comido por coisas simples
Que alguém deitou fora…
E morre o poema sem que o
poeta se levante do chão ensanguentado pelos beijos da madrugada,
O papel arde,
A caneta sonolenta, tomba
no pavimento encharcado de sémen…
Apagam-se todas as luzes,
Apagam-se todos os
silêncios…
E apenas eu, só, nesta
cidade enraivecida pelo cacimbo.
Sem comentários:
Enviar um comentário