sábado, 24 de agosto de 2024

 

Por cá somos poucos do que fazemos para fingir que o sol está envergonhado

A maré já está longe do silêncio

Tenho de fazer uma lágrima

Depois um insecto dispara uma palavra

Há uma coisa para dissecar

E

Quando chegares avisa para eu fechar a morte...

 

A saudade do ferro fundido e do meu beijo de uísque

A janela está aberta para o teu púbis

Uivos de luz desculpam-se e escrevem o teu nome na noite

Como se a noite não soubesse que alguém esqueceu aqui o guarda-chuva.

 

Hoje estarás? Triste. Perfeito estado de alma.

As flores são soldados que alguém tem de colher logo pela manhã

Pertencem à terra e ao menos sabem matemática e geometria descritiva

Porque os óculos não são árvores de espuma

Porque são coisas diferentes que dizem saber riscar o teu cabelo na almofada da paixão.

 

Queria dormir na tua boca

Quando acordar a morte dentro deste labirinto de qualquer coisa de insignificante e modesto para mim

Queria perguntar se não me lembro da manhã

E só tenho uma palavra para fazer um desenho...

 

a esta hora ainda não temos parvoíces, a não ser

o parvo do poeta.

 

Não sei se já perceberam, mas às vezes gosto de colocar um pouco de humor naquilo que escrevo. Gosto.

O que vou escrever a partir daqui, não é ficção, não é humor…

E nem eu sei muito bem o que é.

 

Há muito tempo que eu não acordava tão tarde. Já nem me lembro quando foi a última vez que acordei tão tarde.

E hoje, acordei tarde.

Há quanto tempo eu não ficava na varanda a fumar um cigarro, a olhar as estrelas,

E a acariciar a tua coxa.

 

Há quanto tempo.

Há quanto tempo que não me apetecia sair de casa, ficar cá, fazer coisas,

Tenho sempre mil e uma coisa para fazer,

Há quanto tempo…

 

E esta noite, uma coisa estranha me aconteceu. Fui deitar-me, a Cristina ainda ficou a ver um pouco de TV. Alguns minutos depois, comecei a sentir frio, muito frio, tremia como se fosse uma viga a ser carregada por uma qualquer carga, e cada vez tinha mais frio, e fui buscar um cobertor e senti uma coisa estranha a sair- me do corpo…, minutos depois, sentia-me como se nada tivesse acontecido.

Tão estranho.

Tanta coisa estranha a acontecer nas nossas vidas…, meu amor!

Há quanto tempo, eu não pegava na tua mão...


Vivia como se nunca tivesse tempo, hoje

vivo como se eu fosse o dono do tempo. Estranho.

Tudo tão estranho...

E já não tenho insónias.

Altar

 

Amo-te, certamente que sim. Sem qualquer dúvida.

Quero-te.

Preciso, das tuas palavras. Claro que sim.

Beijava-te?

Certamente que sim.

Que sim.

Que te amo.

 

Nunca tive um nome. No entanto

Uns apelidam-me de Luís, a grande maioria.

Há quem me apelide de Francisco, muito poucos,

Incluindo a minha mãe, quando me queria dar umas nalgadas no rabo,

E no serviço militar, era apenas, o Fontinha.

 

Mas eu ficava mais feliz, se em vez de um nome, eu fosse apelidado por um número. Gosto de números e de matemática. (já tenho um explicando)

E um número que fosse aleatório, que de cada vez que alguém me chamasse, nunca se repetia o meu nome. Detesto repetições, coisas síncronas, coisas que nunca mudam de posição ou de ludar, uma viga, por exemplo, está sempre no mesmo sítio…

Um horror.

 

O meu avô Domingos, chamava-me de Luisinho; já gosto mais.

Que saudades eu tenho do avô Domingos.

 

E até na morte se eu fosse apelidado por um número, tudo, tudo seria mais simples.

Por exemplo,

Em vez de escreverem no obituário

Faleceu francisco luís rodrigues fontinha,

Colocavam apenas,

Morreu o 13574.

Deixou viúva e 2 filhos:

Sentidos pêsames à dona 10704 e aos piquenos,

O 315 e 828.

 

Tudo. Tudo era mais simples para mim.

leituras


 

solstício da tua ausência

 

desfaço-me em pequenos grãos de areia, miúda cânfora manhã, lá fora

um pássaro sente a tua ausência, mutua, para sempre

do sítio, lugar ou rua,

sem sentido.

mergulha a migalha de pão na sopa de palavras, e a ausência dos teus olhos são pedaços de lua, miseras madrugadas, loucas noites, à tua procura

 

quando a noite é um lençol de mar, sobre a tua pele branca em alegres geadas, a neve, na tua mão

derrete, nos meus lábios,

ódio e tudo o mais…

mesmo assim, não estou triste.

 

procuro em cada silêncio de cor o teu olhar, e uma parte de mim diz-me para te esquecer para sempre

a água transpira loiras moedas de desejo, uma árvore, sabe, que nunca mais te vou ver,

quando a manhã acordar. ficarei só; eu e os meus duzentos e seis ossos.

 

fui à janela e fui loucamente transportado para o mar, sentei-me na areia, desenhei o teu nome, olhei-o

e loucamente o risquei; ainda não satisfeito e acreditando que ainda restava algum pedacinho do teu nome, fui buscar um balde, enchi-o de água do mar, e lancei

toda a água sobre a sombra do teu nome.

agora, sei, que esqueci o teu nome. agora sei que esqueci o teu rosto, o teu sorriso, os teus olhos, os teus lábios,

agora,

agora sei que esqueci o teu loiro cabelo.

 

tal como esqueci

 

o nome da primavera.