segunda-feira, 22 de maio de 2023

Desejo-azul

 Neste pedaço de vidro

Desenho o silêncio do meu rosto,

Escrevo as lágrimas do meu antigo rosto…

Neste pedaço de vidro,

Olho-o, olho-o incessantemente…

Até que este pedaço de vidro,

Despede-se de mim

E ausenta-se no centro do círculo da insónia.

 

Neste pedaço de vidro

Poiso as cores do meu sorriso,

Semeio o meu silenciado olhar…

Que desparece…

Neste pedaço de vidro.

 

Neste pedacinho de vidro

Escrevo os poemas à minha amada,

Desenho a chuva,

Da chuva que cobre o corpo da minha amada…

De desejo-azul…

A este pedaço de vidro

Vêm as estrelas de todo o Universo…

E um punhado de electrões,

Brincam neste pedaço de vidro.

 

 

 

 

Alijó, 22/05/2023

Francisco Luís Fontinha

domingo, 21 de maio de 2023

A minha cidade

 Em cada pigmento de cor

Deita-se um pequeno sorriso na tela

Desenha-se o corpo circunflexo

Em pequenos círculos aerodinâmicos

Em cada pigmento de cor

Acordam as estrelas da minha cidade

E brincam os meninos da minha cidade

 

Em cada pigmento de cor

Oiço as sombras da minha cidade

E levitam em direcção ao céu

As mulheres da minha cidade

 

A cada pigmento de cor

Envio as palavras das colmeias em flor

E escondem-se na minha algibeira

As palmeiras da minha cidade

 

Na tela onde escondo

Cada pigmento de cor

Em cada pigmento de cor

Da minha cidade

Um sorriso de vento me leva até lá…

 

 

 

Alijó, 21/05/2023

Francisco Luís Fontinha


 Acrílico/gesso s/tela. Francisco Luís Fontinha – Alijó.


 Gesso s/tela para pintura acrílica. Francisco Luís Fontinha – Alijó.

Insónia

 Neste pedacinho de papel

Escondo a primeira lágrima da manhã,

Desenho neste pedacinho de papel

O primeiro sorriso da primeira lágrima da manhã,

Neste pedacinho de papel

Escrevo o olhar da primeira lágrima da manhã.

 

Neste pedacinho de papel

Beijo a primeira lágrima da manhã,

E ainda tenho tempo,

Antes me de ausentar,

De abraçar a primeira lágrima da manhã.

 

Neste pedacinho de papel

Construo a primeira Caravela da manhã

E o último Galeão da noite…

Neste pedacinho de papel

Guardo as algemas do teu sono…

E poisa neste pedacinho de papel

A insónia…

 

 

 

 

Alijó, 21/05/2023

Francisco Luís Fontinha

sábado, 20 de maio de 2023

Um círculo de pássaros

 

(óleo s/tela)

 

Olho-te e vejo um círculo de pássaros.

Olho-te,

Olho-te e vejo o silêncio pincelado de azul.

Olho-te,

Olho-te e vejo o cinzento barco em direcção ao abismo…

Olho-te e oiço o perfume do mar.

 

Olho-te e abraçam-se a mim os cheiros da minha infância,

Quando da terra queimada,

Se erguia o Sol,

E olho-te, e olho-te sabendo que também tu me olhas,

Que também tu vês em mim as cores do silêncio.

 

E olho-te encantado da vida…

Porque sou o teu pai,

Porque te pintei durante a tarde…

Da tarde,

Os cheiros a terra queimada,

O capim dançando na tua mão…

E eu,

Olho-te,

Sabendo que tu também me olhas.

 

Olho-te e consigo ver nesta confusão de cores…

A luz dos teus olhos,

Consigo ouvir o silêncio dos teus olhos…

E olho-te.

Sabendo que me olhas,

Sabendo que em breve te despedirás de mim…

E ficarás para sempre no silêncio de uma parede,

Sem nome,

Sem janela para o mar.

 

E eu, e eu vou olhar-te para sempre,

Como olho para sempre os meus quadros,

Os mortos e os vivos.

E olho-te…

 

 

 

 

Alijó, 20/05/2023

Francisco Luís Fontinha

Dois minúsculos círculos verdes

 Estou aqui.

Ando sempre por aí,

Umas vezes cá,

Outras vezes, lá.

Estou aqui e ando por aí,

Como os pássaros,

Como as árvores,

Como as flores,

Como as palavras,

Umas vezes,

Aqui,

Outras,

Por aí.

 

Estou aqui,

Estou por aí…

Aqui,

Aqui muito bem sentado,

Apaixonado pelo Pacheco, Cesariny, AL Berto, Lobo Antunes…

E claro,

Loucamente apaixonado, por mim.

 

Estou aqui,

Por aqui,

Com cores,

Sem cores,

Sem o mar,

Aqui,

Por aí…

Estou aqui, diga-se, muito bem sentado,

E penso,

E penso que não devia pensar…

 

Aqui.

Estou aqui.

Aqui, sentado, muito bem sentado,

Enquanto o Ansys faz as simulações,

Penso,

Penso que não devia pensar,

Escrevo,

Pinto,

E fumo.

 

Oiço Carlos Santana.

Penso.

Levanto-me, e abraçado a dois minúsculos círculos verdes, desisto de pensar,

Sento-me,

E fumo.

Oiço-o.

Aqui,

Por aqui e por aí…

Escrevo, escrevo poemas ao silêncio,

Escrevo textos para a saudade…

E claro,

Pinto, pinto muito.

 

E umas vezes por aqui,

Outras,

Talvez mais por lá…

E por aqui,

Escrevo,

E pinto

E fumo

E bebo

E oiço-o.

 

Às vezes, confundia o sono com a primeira geada da manhã,

Como eu estava enganado!

Andando.

Escrevendo.

Pintando.

Voando.

Por aqui,

Por aí…

Quem sabe,

Talvez,

Em pedacinhos de nada.

 

Estou aqui.

Ando sempre por aí,

Umas vezes cá,

Outras vezes, lá.

Estou aqui e ando por aí,

Como os pássaros,

Como as árvores,

Como as flores,

Como as palavras,

Umas vezes,

Andando,

Outras,

Outras vezes,

Voando.

 

 

 

Alijó, 20/05/2023

Francisco Luís Fontinha