quinta-feira, 20 de abril de 2023

Barco de amar

 Ando às voltas

Com este barco que deixou sonhar,

Deste pobre barco de grandes revoltas…

Nas revoltas do mar.

 

São pequenos círculos de encarnado sorriso,

São marés e ventos,

São homens sem juízo,

São homens de poucos lamentos.

 

E este barco, este pobre barco… que a poesia quis amordaçar…

Este barco sem dia,

Este barco escondido no luar

 

Quando da noite acorda a lareira.

Deste pobre barco de triste melodia…

Nos olhos de uma singela ribeira.

 

 

 

Alijó, 20/04/2023

Francisco

Sorrisos de esperança

 Do céu, chegava-nos o fogo da saudade.

O mar de espuma

Brincava no sorriso lento

Da madrugada em flor;

Depois, recebíamos as canções da Primavera.

 

Depois…

Depois… meu amor.

O silêncio da despedida,

A ausência do corpo

Quando o corpo deixa de pertencer às tuas mãos…

 

Das tuas mãos onde procuro aquele rio sem nome,

Aquele rio, meu amor, rio que não corre mais para o mar.

Do céu, as lágrimas das estrelas em cartolina…

Que nos lábios de uma criança,

De uma simples menina… desenha sorrisos de esperança.

 

 

 

Francisco

20/04/2023

quarta-feira, 19 de abril de 2023

Oceano de luz

 Procuro dentro deste Oceano de luz

Aquilo que ninguém quer,

Curiosamente,

Não sei aquilo que procuro,

Mas farto-me de procurar.

 

Flores não são

Porque este Oceano não tem flores.

Serão os pássaros,

Aquilo que procuro dentro deste Oceano de luz?

 

Procuro qualquer coisa

Tanto faz…

Poderá ser uma árvore em flor

Um cadáver amordaçado

Ou apenas uma sombra.

 

Procuro dentro deste Oceano de luz

Qualquer coisa,

Ou outra coisa qualquer…

Que com o tempo…

Me esqueci…

Daquilo que procurava.

 

Procuro dentro deste Oceano de luz…

Nada.

E às vezes penso,

Penso…

O que procuro,

E porque não encontro…

Aquilo que procuro,

Que não sei o que procuro.

 

 

Francisco

19/04/2023

Cartas

 Malditas palavras

Palavras que se cravam no meu peito

Como uma bala de prata

Palavras…

Palavras que aos poucos me assassinam

Como se assassinam os tristes silêncios da noite.

Peço um desejo ao vento

E do vento apenas recebo cartas sem remetente

Cartas sós

Sós

Como são todas as cartas que recebo.

 

 

19/04/2023

Morte

 Morres no interior das minhas mãos

Enquanto lanço para o mar

A enxada com que escrevo…

Morres tal como eu

Aos pucos

Morro…

No interior das tuas mãos.

 

Morres nos olhos desta montanha

Que subo

E que recuso descer…

Onde me sento e durmo

Como um sonâmbulo amaldiçoado.

 

Morres

Cadáver desgovernado

Príncipe do silêncio

Maldito sejas

Poeta

Poeta do enforcamento.

 

Abraço-te

Enquanto morres dentro deste meu corpo

Deste pequeno corpo ensanguentado

Doente

Envenenado pela solidão nocturna do Adeus.

 

Morres no interior das mãos

Como morrem as sombras quando acorda a noite

Morres

Cansaço em despedida…

Espingarda da paixão

Que não se cansa de disparar contra a multidão

Pedacinhos em papel

E barcos em cartão.

 

 

Francisco

19/04/2023

terça-feira, 18 de abril de 2023

O menino do poeta

 Dilacerado corpo

Que dormes no Oceano de espuma

Corpo enforcado pelo luar da madrugada

Sentado nesta pedra fria e escura

E que no tempo se afunda.

 

Corpo coitado

Coitado dele…

Coitado do silêncio

E das tristes tardes junto ao rio

Coitado

Coitado do poeta

E do menino do poeta…

Coitado do menino em fastio

Perdido nas esplanadas da insónia.

 

Corpo cansado

Às voltas

Que não voltam

Das voltas que nascem no horizonte

Coitado do menino

Do menino do poeta

Coitada da montanha triste e só…

Coitada… coitada da avó e da neta.

 

Corpo dilacerado

Quando se esconde nas catacumbas de um falso sorriso

Corpo meu

Corpo sem juízo…

Poeira do meu corpo

Corpo teu…

Do teu que não tenho

O meu próprio corpo.

 

Duzentos e seis ossos

Alguns gramas de carne putrefacta

Carne do meu corpo

Do meu corpo

Que corpo?

Que raio de corpo

Precisa desta carne

Poeirenta

Bolorenta

Em decomposição lenta…

 

Sentado aqui

Descalço ali

Olhando o mar em declínio

Sem barcos

Nem marés

Nem bonés…

Cabeças ao vento

Cabelo prisioneiro das nuvens encarnadas

Ai que silêncio me escuta

Em pedaços de areia

Em pedaços de cicuta.

 

Dilacerado corpo

Sem corpo para venda

Palavras

Palavras

De que o meu corpo se alimenta

E bebe a cicuta

E não se lamenta…

Da tristeza das flores

Do sorriso dos pássaros…

E das abelhas

Que nem são flores

Nem são pássaros

Mas são abelhas em flor.

 

E chove dentro do meu corpo

E as janelas do meu corpo

Estão encerradas

São lâminas de saudade…

São lágrimas.

 

E chove nas tuas mãos

Menina do mar

Menina dos lábios de mel…

E das abelhas

Que nem são flores

Nem são pássaros

Nem papagaios de papel

Coloridos

Que uma mãe construía para o menino

O menino do poeta

Do poeta menino

Em calções…

Puxando um triciclo com assento em madeira

E volante de sonhos.

 

Dilacerado corpo

Este corpo que invento todas as manhãs

Deste corpo que cuido quando me deito

Neste corpo onde habitam tantos outros corpos

E não me queixo das estrelas

Nem dos barcos de esferovite…

Corpo em poema

Da cama em poesia

Ao corpo sem corpo

Ao corpo de cada dia.

 

Depois tenho os gonzos das portas do meu olhar…

Todas…

Todas dilaceradas

Dilacerado corpo

Dos volantes e das vielas

Porcas e parafusos

Fusos

Sei-te lá que mais exista dentro deste meu pobre corpo

Depois oiço um pequeno gemido

Um enorme grito de revolta

A Terra não se cansa de girar

O cão do vizinho não pára de ladrar…

E tudo é pó

E tudo se transformará em poeira

E o ontem não volta.

 

 

 

Alijó, 18/04/2023

Francisco Luís Fontinha

O velho e o mar

 Invento o sono

Nos teus lábios de doce mel

Quando a manhã se ergue.

Invento a solidão

Apenas porque preciso da solidão

Apenas…

Apenas porque eu sou a solidão.

 

Invento o Inverno

Invento a geada

Queixo-me da Primavera

Enquanto me perco em invenções…

A Terra gira

E Deus… olha-me

Incrédulo

Olha-me como se eu fosse um louco

Ou “o velho e o mar” de Hemingway

E depois…

Depois percebo que sou o louco

E sou realmente o velho

O velho sem o mar…

 

Invento este vadio sono

Na esperança de que a ausência me leve

Ou o vento me leve

Ou o vento me traga

A insónia

Invento tudo isto

Na esperança de um dia me sentar em frente ao mar…

E esperar que alguém me venha resgatar.

 

 

 

 

Alijó, 18/04/2023

Francisco Luís Fontinha