Poucos recordam o poeta
Após a sua morte.
Poucos saberão que o
poeta morreu
No dia em que ele não foi
comprar cigarros
Ou na noite que ele não
apareceu
Perante Deus
Para beber o seu último
shot de uísque
E fumar o seu último
cigarro.
Muitos poucos não saberão
Que o poeta está morto
Nasceu morto
E morto irá morrer
Nas mãos da poesia
Poesia morta
Abstracta
De luzes endiabradas nos
lábios da madrugada
E se o poeta sofre
Não deve sofrer
Porque um poeta morto
Morto não sofre
E morto irá morrer.
Não gosto de mortos.
Dos que partiram
E daqueles que irão
partir
E daqueles que nunca
chegaram a partir
Antes de fugir.
O poeta morre no dia em que
deixar de ir comprar cigarros
E na noite
Perante Deus
Não beber o seu último
shot de desejo.
O poeta não sofre.
Os mortos não sofrem.
Quem sofre são as palavras
São as flores
São as nuvens e os
pássaros
E o mar
E os barcos que dormem no
mar;
Todos eles sofrem…
O poeta
O poeta não sabe sofrer.
O poeta apenas sabe
escrever
O poeta morre enquanto
escreve
Enquanto desenha na
alvorada
Palavras
Palavras de morrer
Que o poeta morto
Não se cansa de escrever
Não se cansa de sofrer…
Mas o poeta não sofre
Porque o poeta está morto
E os mortos
Todos os mortos
Não sofrem
Não sabem sofrer.
O poeta se cansa
Das palavras
Dos dias entre palavras
Dos poemas em banho-maria
Do dia
Toda a poesia
A que morreu
E a que vai morrer
Nas mãos de um homem
De um louco homem
De um poeta louco
Poeta homem
Que sofre e está morto
Dentro de um cubo de
vidro
Quando nasce o dia
Quando morre o dia
E o poeta
Louco poeta
Da louca poesia…
Nada.
Ninguém perceberá que o
poeta morreu às mãos da poesia.
Francisco
08/04/2023