sexta-feira, 7 de abril de 2023

Pontes

 Procuro sem saber o que procuro

Procuro sem saber onde procurar…

Aquilo que procuro

 

Não sei se deva procurar

O mar

Uma pequena pedra

Não sei se deva procurar

Aquilo que sinto que me falta

Que todos os dias procuro

Que todas as noites desisto em procurar

 

Não sei se é Deus o que procuro

Se o que procuro é uma palavra

São muitas palavras

Procuro

Sem saber onde procurar

Tão pouco se o deva procurar

Procuro o mar

E o mar teima em não me procurar

Procuro todas as pontes metálicas da cidade

Também não sei se o deva procurar

Porque a cidade não tem pontes metálicas

Não tem rio

Ou o mar

 

Procuro a música e a poesia

Procuro de manhã

Procuro à tarde

Procuro todo o dia

Procuro sem procurar

A noite antes de acordar

E eu poder procurar

Mas o quê?

O que devo eu procurar?

Procuro o mar

E o mar teima em não me procurar

Procuro a lua

E a lua hoje sem luar

Sem mar

Sem janelas viradas para o mar

Onde eu possa procurar

Aquilo que não encontro

Aquilo que não me canso de procurar

 

Procuro flores

Mas não devem ser flores

Aquilo que deva procurar

Procuro as árvores

E todos os pássaros de voar

Procuro

Procuro

Sem saber se deva procurar

Sem saber se deva sonhar

Ou simplesmente desistir

Ou simplesmente deixar…

De sonhar

De tanto procurar

Aquilo que procuro

Aquilo que não me canso de procurar

Sem saber

Sem o querer

Procurar

Procurar aquilo que não deva procurar.

 

 

 

Francisco

07/04/2023


 

Três flores e um martelo e quatro pregos em aço

 Tudo é culpa minha, a chuva, é culpa minha, a tempestade… é culpa minha, as palavras que escrevo, são uma merda, culpa minha, as flores têm um odor a putrefacção, culpa minha, claro,

As vidraças da minha janela, partiram-se, e claro, culpa minha,

O silêncio, também é culpa minha,

E depois?

A morte, as pessoas de quem gostava e morreram, claro, foi por minha culpa.

A tristeza, é culpa minha, a fome, tantas crianças com fome, é culpa minha,

Olho as minhas mãos, percebo delas o quanto silêncio existe, percebo delas a míngua tristeza das sanzalas com telhados em zinco, e quando oiço os mabecos, entre uivos e pincelados corações de prata, eis que um alicerçado e cansado amanhecer se deita sobre mim…

E depois?

Tudo, tudo é por minha culpa.

As guerras, as guerras acontecem por culpa minha. A minha vizinha do terceiro esquerdo, coitada, suicidou-se juntamente com o gato, o Malaquias… e claro, foi por culpa minha.

E enquanto olho as minhas mãos, e enquanto olho o mar amaldiçoado, tal como eu, amaldiçoado, com aquele cheiro intenso a morte, percebo que tudo o que sonhei, não o sonhei, que tudo o que tive, não o tive, e que Deus é um estupor, impostor, um aldrabão diplomado e sem escrúpulos, um gajo…

Um gajo que nunca assume os erros, e claro, tudo, tudo é culpa minha.

E por minha culpa, por minha grande culpa, me despeço destas pedras onde brincam as ratazanas de Gunter Grass, onde poisa o coração de todos aqueles que deixaram de voar, claro, por minha e tão grande culpa minha; tens fome? Culpa minha. Não tens casa onde aportar os teus braços, claro, claro, é culpa minha.

E não te preocupes com o aspirador ou com a ventoinha ou com a porta do quintal… porque, claro, tudo é culpa minha.

 

 

 

Francisco

07/04/2023

Encarnado pincelados olhos de sonhar

 Vestes-te de encarnado

Para o meu enterro

E sabes, meu amor

Uma mulher vestida de encarnado

Tem outro encanto,

 

Tem outro alento.

Vestes-te de encarnado

Para te despedires dos meus olhos verdes

Das minhas mãos pinceladas de tristeza

Quando acorda a manhã,

 

E quero que o meu enterro

Seja discreto

Simples

Tão simples… como foi a minha vida…

Tão simples, meu amor…

 

Tão simples como são os meus olhos

Quando poisam neles as lágrimas de uma tela

Sem nome

Com nome…

Entre parêntesis,

 

Vestes-te de encarnado

Para o meu enterro

E sabes, meu amor

Quero que o meu enterro seja tão belo

Como de tão belo és tu, vestida de encarnado.

 

 

 

Francisco

07/04/2023

quinta-feira, 6 de abril de 2023

Caos

 Um cristal de tristeza

Procura-te nas manhãs submersas

Das manhãs ensonadas

Dos insectos

E das árvores abandonadas,

 

E se da tua mão

Um mísero silêncio de fogo

Abraçar o meu rosto

É porque sou um poema…

É porque sou a tristeza,

 

Sem nome

E de muito mau gosto

E depois desse cristal de tristeza

Outros cristais em tristeza

Perfuram todo o meu corpo; e todo o caos se mistura em nós.

 

 

 

Francisco

06/04/2023

A arte em defecar

 Da arte de defecar

Quando ao nascer do dia

A defecação é uma arte, é poema, é poesia…

É arte a arte em sintonia

Defecar

Abraçar

O cansado dia.

 

E tu me abraças na escuridão

E tu me repeles contra a parede das lamentações

A arte em defecar

Defecar com sabedoria

Em cada dia

O poema e a poesia

A solidão…

E aquela pedra, ali sentada, em pequenas convulsões.

 

De defecar

À arte de o fazer

Em cada dia

Defecar é uma aventura

É poesia

É ternura…

Defecar a arte de escrever

Sentado

Sem o saber

Que a arte em defecar

É literatura

É poema enraivecido…

Quando da arte em defecar

Defecar bem e com saúde matinal

E há sempre um poema perdido

Dentro da melancolia…

Em defecar em cada dia…

E depois… limpar o rabinho a um jornal.

 

 

 

Francisco

06/04/2023

Conversas

 Não sei, meu querido filho.

Não o sei, porque temos de habitar dentro de círculos, de quadrados, dentro de triângulos com janela para a tristeza, não, não o sei, meu filho

E se Deus trouxer o sono, pai?

Não. Não acredito, meu filho, não acredito que Deus nos traga alguma coisa, porque Deus, meu filho, porque o Deus da tua avó nunca, nunca meu filho, nunca nos trouxe nada… ia agora trazer… o sono!

Pai?

Sim, filho…!

E se o Deus da tua mãe, e se Deus da minha avó… for uma complexa equação matemática… e… e não passar disso, de uma equação matemática?

Sim, filho, é possível que esse Deus seja uma complexa equação matemática e quem a resolver tem todas as respostas.

Todas, pai?

Quase todas, quase todas… meu filho.

Quase todas…

 

 

 

Francisco

06/04/2023