Éramos quatro paredes, uma janela rectangular com acesso à rua onde um pequeno fio de luz incidia ao acaso sobre esta, na parede em frente à janela, um pequeno crucifixo em madeira parecia inventar o sono, quando sobre a cama, junto à parede onde ele estava pendurado, Mariana, seminua e com pose de silêncio sobre a pobre cama e coberta de lençóis envenenados pelo desejo, com uma qualquer publicação desconhecida aprisionada pelas mãos finas e débeis, murmurava as palavras invisíveis do pós madrugada, quando percebeu que ele enquanto tinha os cotovelos poisados no parapeito e numa das mãos o segundo cigarro da manhã, perguntou-lhe pausadamente
Que fazes?
Penso.
Só pensas?
Não.
E depois de uma longa
pausa, de imaginar o mar ao longe, disse-lhe que com o pequeno fio de luz que
abraçava a janela de vez em quando, iria puxar o mar e trazê-lo até esta.
Ela, sorriu.
Ele, sorriu.
Sobre a almofada pequena,
semeava os cabelos loiros e finos da cor do sol e cansados como a lua de dar
voltas à terra e mais parecendo uma linda seara de trigo nas mãos do Vale da
Cabra, quando de soslaio
Acreditas que o Universo
é infinito?
Tal como duas rectas
paralelas se encontrarem no infinito.
E se essas duas rectas paralelas
nunca se encontrarem no infinito?
O Universo é finito…
Ela, sorriu.
Ele olhou-a como se com o
triste olhar que lhe pertencia desenhasse um longo e silenciado beijo, junto ao
seio esquerdo, no direito, escreveu
E se amanhã chover?
E devagarinho, em
pequenos soluços, foi puxando o mar até o estacionar junto à janela, e sentiu-o
muito pertinho da mão, então
Enquanto chapinhava na
água, sussurrou
Porra, e se as rectas se
encontram mesmo?
Quero lá saber das rectas…
Poisou a pequena
publicação sobre a mesinha-de-cabeceira, levantou-se e em pedacinhos de sombra
aproximou-se dele, abraçou-o, colocou os braços sobre os ombros inclinados para
o longínquo jardim e
Amo-te.
Ele, sorriu.
Vês, aquele barco lá ao
fundo?
Sim, vejo, o que tem?
É o primeiro barco que
vejo há mais de três anos por estas bandas…
E olha que estou aqui
desde as seis horas da manhã até às vinte e três da noite,
E depois?
Depois vou desenhar
barcos no tecto da alcofa…
Sabes?
Diz.
Esta noite sonhei que fui
mãe e era uma menina
Como as rectas?
Parvo.
Muito parvo, mesmo.
Encerrou a janela,
sentou-se na cama por alguns segundos, encostou a cabeça à parede e de olhar
inclinado, enquanto o crucifixo lhe perguntava
Em que pensas?
Penso como será bela a
noite, quando aquele barco estacionado lá longe, entrar pela janela, colocar os
joelhos junto ao meu corpo e deitar-se no meu peito.
Acreditas mesmo?
Não sei!
Umas vezes acredito que
duas rectas paralelas se encontram no infinito, outras, pelo contrário, que
estas nunca se vão encontrar;
Então o Universo pode ser
infinito ou finito, é isso?
Ele, sorriu.
E quando olhou para o
lado, sobre a almofada pequena, ela semeava os cabelos loiros e finos da cor do
sol e cansados como a lua de dar voltas à terra e mais parecendo uma linda seara
de trigo nas mãos do Vale da Cabra, ouviram-se as silenciadas ondas de paixão
mais lindas que alguma vez foram observadas.
Alijó, 25/10/2022
Francisco Luís Fontinha
(ficção)