sexta-feira, 5 de abril de 2013

Infinito Inferno

foto: A&M ART and Photos

Se eu me perco mar adentro
dizes que sou um barco desgovernado
em sofrimento
um barco aparvalhado,

E nem gota de água consigo ser
nem tão pouco um papagaio de papel
não sou palavra de escrever
nem ponta de cordel,

Se eu me perco perdido vou andar
quando da noite de Inverno
a nossa lareira se apagar,

Livremente só como as árvores em flor
perdidamente alegre dentro do infinito inferno...
no indiferente amor.

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

quinta-feira, 4 de abril de 2013

E no Sábado?

foto: A&M ART and Photos

Há uma parede ínfima que separa a saudade da vontade de regressar, há uma brecha na parede ínfima onde me é permitida a entrada, e mesmo sendo apenas ao Sábado, eu entro, e fico lá, a olhar os pedaços de loiça que sobejaram da catástrofe que as madrugadas sem destino provocaram na melodia que junto à noite ouvíamos, provavelmente, da casa do vizinho, mas ao longe, um senhor de barba, todos os finais da tarde, saboreava o seu trompete, e eu, uma criança curiosa, inventava palavras para justificar aqueles sons, que ainda hoje oiço, cerro os olhos, e a música flui em mim como o vento quando enrola os lençóis pendurados no estendal perdido no quintal, lá, misturam-se couves, cebolas, tomates, feijão-verde, alhos e algumas galinhas em processo de rescisão de contracto, são velhas, e imaginando-as dentro de uma panela em ferro-fundido, nunca, nunca estarão prontas para serem comestíveis, a não ser que
(o infinito dos dias deram lugar à rapidez das palavras, quero-as escrever e estou a sentir dificuldade de imaginar-me sentado a uma secretária (digo – de madeira) com uma caneta de tinta permanente a escrever num caderno sem nome, talvez lhe coloque o nome de “Matraquilho”, Porque não? Sempre será mais agradável escrever sobre um nome, semelhante a escrever num corpo desnudo, e não saber o nome da folha de pele doirada onde se escreve, “onde se lê folha de pele doirada, o escritor quer dizer PÉTALA DE ROSA ABANDONADA”, e claro, é como beijar os lábios mais belos do Céu e desconhecer o nome desses lábios, todos têm um nome, uns são de filigrana, outras são de marijuana, outros..., o nome, por favor, insira a moeda na ranhura, e rode a alavanca, e logo em seguida tem o seu desejo concretizado, e melhor do que fazer pipocas, porque essa ideia já é tão velha como o apelidado de “cagar”, porque quase há trinta anos que vejo os ciganos nas feiras a venderem pipocas, e como dizia um professor meu na Universidade, tudo em engelharia já foi inventado, ou quase inventado, neste momento a sabedoria está em descobrir novos e mias económicos materiais, portanto, neste momento é na ciência de materiais que está a sabedoria, porque de equações quase que estamos conversados, esta agora... Pipocas..., ele há cada um)
A não ser que a minha amiga que vive na cabana a seguir à ribeira tenha uma porção mágica para transformar galinhas velhíssimas em novas, com coxas, com lábios, com seios, comestíveis
(o rio enfureceu-se comigo, entrou-me em casa e destruiu-me todos os papeis e livros, e eu não percebendo se estava a sonhar, e eu não percebendo se estava a dormir, apenas recordo-me de dizer – Felizmente, felizmente que alguém fez alguma coisa e destruiu-me esta porcaria sem cheiro, semelhante a rodas de chocolate, parecidas com bolachas de madeira – E logo eu, eu meu querido, logo eu que sou apaixonadíssimo por rios e barcos, logo eu)
Comestíveis saudáveis, comestíveis como folhas de alface – quando a parede ínfima que separa a saudade da vontade de regressar, há uma brecha na parede ínfima onde me é permitida a entrada, e mesmo sendo apenas ao Sábado, eu entro, e fico lá, a olhar os pedaços de loiça que sobejaram da catástrofe que as madrugadas sem destino provocaram na melodia que junto à noite ouvíamos, provavelmente, da casa do vizinho, mas ao longe, um senhor de barba, todos os finais da tarde, saboreava o seu trompete, e eu, uma criança curiosa, inventava palavras para justificar aqueles sons, que ainda hoje oiço, cerro os olhos, e a música flui em mim como o vento quando enrola os lençóis pendurados no estendal perdido no quintal, lá, misturam-se couves, cebolas, tomates, feijão-verde, alhos e algumas galinhas em processo de rescisão de contracto, são velhas, e imaginando-as dentro de uma panela em ferro-fundido, nunca, nunca estarão prontas para serem comestíveis, a não ser que – e dizem-me que amanhã é outro dia, claro, compreendo perfeitamente minha querida senhora, mas... E no Sábado?
(não sei o que são Primaveras)
Grades de sombra
(havia silêncios misturados nos sons do trompete do homem de barba, recordo-me agora, que era branca, tipo – Pai Natal? - Ora aí está, tal e qual, isso mesmo, e na altura eu sentava-me em frente à porta de entrada, uma casa simples, descomplexada, onde os aposentos de serem tão minúsculos quase que abria os braços e atravessava o quarto, entrava na casa da vizinha, e tirando isso – éramos felizes – e aqueles sons habitam hoje dentro do meu corpo, ainda hoje, sento-me em frente à porta de entrada da cabana onde habito, e apesar de não ser a mesma casa e de não ser o mesmo local, consigo ouvir os sons melódicos do trompete do senhor com barba branca, talvez do tempo, talvez da idade, talvez dos versos...)
E o teu corpo prisioneiro em grades de sombra, num castelo de areia, tão alto, tão alto, que é quase impossível alguém subir, subir – se ao menos soubesses voar! - Pois, mas infelizmente não sei voar, pois, mas infelizmente tenho medo que a areia ceda, e se transforme em grãos como bolas e sabão quando éramos crianças e andávamos pelas ruas do bairro a lançar bolinhas para a atmosfera, hoje, ainda as vejo, às vezes, a atravessarem o horizonte entre voos rasantes e lentidão de saliva, e o teu corpo lá, lá, lá...
(A não ser que a minha amiga que vive na cabana a seguir à ribeira tenha uma porção mágica para transformar galinhas velhíssimas em novas, com coxas, com lábios, com seios, comestíveis – Depois de amanhã é Sábado – e mesmo assim talvez não seja este Sábado que vou conseguir entrar através da brecha da parede ínfima que separa a saudade da vontade de regressar – só se as comermos assim, mesmo assim, duras)
Lá, na rua onde vivemos, aprisionado a grandes de sombra, e lá – Lá o quê? - lá bem no alto a entrada no castelo para chegar à cela invisível onde ela come e dorme e vive... e dizem que ama.

(quase ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Porta do Silêncio

foto: A&M ART and Photos

A última bebida da noite disfarçada de palavras
simples duas pedras de sílabas
e uns singelos lábios
como se a noite continuasse a viagem até à ilha dos livros
atravessando a porta do silêncio,

Tenho dentro de mim
o teu espelho de infância onde te olhavas e brincavas
e às vezes te esquecias de adormecer
de tanto te olhares
e de tanto o teu corpo crescer,

O fim da história
do livro e do poema e da vida
sempre o derradeiro fim como a encerrada solidão
sem que a mão humana consiga abrir as janelas do sonho
como fazem os peixes quando descem ao fundo do rio,

O fingimento da felicidade
dos sorrisos falsos em falsos lábios de falsas cabeças
a dor quando o corpo transpõe a fronteira da loucura
e se vai sentar no banco de uma enfermaria com plátanos encarnados
e olhos azuis embrulhados em gotinhas de água,

Tudo à minha volta é falso
o dia e a noite e a liberdade e a Primavera que só existe em literatura
o falso amor com falsos sorrisos em falsas dores
com falsos juízos
mas tudo tudo é cor que dorme na tela do sofrimento...

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

quarta-feira, 3 de abril de 2013

A Catedral dos cigarros sem filtro

foto: A&M ART and Photos

(terça-feira de Abril)

Lembras-me a Catedral dos cigarros sem filtro
com as suas quatro janelas de acesso ao inferno,
lembras-me a luz desperdiçada pelas frestas do desejo
sabendo tu que lá fora há uma boca com fome,
de braços abertos, e agarrado à pernada da árvore junto ao cemitério,

Não cessa de chorar
nem entra na escuridão enquanto não se alimentar,
não acreditas nos plátanos sobre os bancos de madeira
que o jardim da Vila esconde, e te sentavas, como uma flor de livro na mão,
não cessam nunca, essas bocas, às vezes, poucas e loucas,

Às vezes
triângulos de tédio abraçados a cubos de gelo,
às vezes, às vezes sinto-me a caminhar sobre o Tejo,
sou uma gaivota ou um velho cacilheiro,
às vezes, sou eu mesmo, um velho desiludido, um velho sentado no infinito do abismo...

Às vezes, visto-me, sim, também me visto e lavo e tenho higiene,
como estava dizendo, às vezes, visto-me de ponte iluminada pelo teu azul
que suspendes no teu corpo de texto ficcionado,
às vezes, minto-te dizendo-te que estou bem alimentado,
mas não estou, porque estou cansado, ou... porque... apenas me apetece dizer-te que sim,

Que comi as bolachas e bebi o leite com chocolate,
que fumei cigarros imaginados, porque deixei de fumar,
que, às vezes, (isto só para nós) não me apetece sorrir nem falar nem escrever,
e escrevo, sem o saber, sem perceber porque o faço...
porque às vezes, às vezes o que eu queria era voar, e deixar de ter ossos e olhos verdes...


(permita-me reflectir sobre os seus lábios, sabendo que não me pertencem, mas como é usual vê-los passear em frente à estação de Cais do Sodré, tenho a dizer-lhe a si e a eles – Lábios, que a minha vida melhorou significamente após o encontro entre os meus olhos verdes e os seus lábios azuis, de tal forma, que hoje, terça-feira, posso garantir-lhe que nunca mais me doeram as costas, a rótula do joelho esquerdo, e melhor ainda, a dor que sentia na perna direita, essa, desapareceu como desapareceram as moedas de Euro que me acompanhavam na algibeira, mas aí, a responsabilidade não é da menina, nem tão pouco da cor da sua pele, apenas deve-se
- à má gestão do meu misero dinheiro,
um dia quis ser bailarino, depois, costureiro, nunca dancei, mas garanto-lhe que cheguei na infância, e tenho como testemunha a minha querida mãezinha, a desenhar vestidos e a confeccioná-los, e tão giros que ficaram... tinha um boneco, a que parvamente o apelidava de chapelhudo, servia-me de modelo, e amigo, confidente, e personagem de texto não escrito, apenas falado entre mim e as pombas e as galinhas, e tudo isto, num enorme quintal, em Luanda, debaixo das mangueiras, tínhamos um portão de entrada, em ferro, que dava uma certa coloração – Não filha, não é ao seu corpo! - ao bairro, estava a falar do Bairro Madame Berman, claro, claro que quando chovia ficava encerrado em casa a desenhar com carvão nas paredes do corredor, quarto e casa de banho, e não me perguntes porque o não fazia nas paredes da sala, não o sei explicar,
- e hoje não me parece terça-feira,
e quando te falava no portão de entrada, claro minha filha, referia-me à chegada do avô Domingos, coitado, tão cansado de andar pelas ruas da cidade com um cordel a puxar um machimbombo, abria-o – sim filha, o portão, o que querias que fosse – voltava a fecha-lo, pegava-me ao colo, e, e dava-me um beijo,
- hoje?
amanhã, talvez me recorde,
- e nunca mais soube a cor do céu e vi o sorriso do mar.)


E deixei de amar, ser novamente a criança com os calções e as sandálias de couro,
não pensar em livros, em termodinâmica ou mecânica, ou literatura, ou amor,
e deixei e desaprendi que o teu corpo reabsorveu o azul do céu e o sorriso do mar,
e..., que as árvores (não vais acreditar) que as árvores, agora, pensam como nós,
e que amam, como nós, não hoje, mas quando ontem era ontem, e não terça-feira...

(não revisto, ficção)
@Francisco Luís Fontinha

De pedra os rios da saudade

foto: A&M ART and Photos

Não me digas que os rios são de pedra, porque, não o são, não, não me digas que a fome é invisível, porque, não o é, não, não me digas que o teu corpo é inacessível, como uma janela altíssima, quase junto à lua, porque eu não acredito que ele esteja tão longe de mim, não
(é atarde ainda para pegar na tua mão)
Não, não acredito, e por favor, não me digas que a chuva são as lágrimas de Deus, porque, não o são, não, não
(imerso nas profundezas da tristeza que a tarde aproxima com a ajuda do vento, imerso nos cabelos das nuvens sabendo que não existem nuvens, e pergunto-me, o que tenho eu nos meus lábios? Qualquer coisa estranha e parecida com os cabelos de um ser humano, com esqueleto e na boca sinto-lhe pequenos orifícios, cavernas melhor dizendo, e escrevendo, e dizem-me que não podem ser lábios porque não existem lábios nas nuvens, E, E se não foram nuvens que o vento trouxe? Que trouxe então o vento? E se em vez de tristeza, não, não são profundas nem tristes..., E se forem? E se a água da chuva forem as lágrimas de Deus?)
Não, Não o são, porque se o fossem, eu saberia, não, não me digas que hoje é terça-feira, porque não o é, porque se o fosse, eu, eu estaria completamente quilhado, pois era hoje que partiria para a eterna viagem de barco para o longínquo
(de pedra, os rios?)
Oh minha querida, como poderiam ser de pedra os rios..., como caminhavam os barcos no interior das pedras? Não, não o são, não...
(e o mar, meu querido?)
Não, não acredito, e por favor, não me digas que a chuva são as lágrimas de Deus, porque, não o são, não, não, e no entanto é tarde e eu sem entrar em casa, e no entanto caminho sobre um rio que se tu não estivesses ao meu lado, juro, com medo que me oiças, dir-te-ia que o rio onde caminho é de pedra sim, sim o é, mas não o digo, para não o ouvires, porque vais logo dizer
(VÊS COMO EU TINHA RAZÃO!)
E, não, não a tinhas,
(de pedra, os rios?)
Não a tinhas e nunca a tiveste, aparecias-me como se eu fosse o teu canino de estimação, colocavas-me uma gravata de plásticos, um pouco comprida diga-se, e pegavas em mim e levavas-me para o jardim em frente à nossa casa, um sexto andar em ruínas, sem elevador, com alguns dos degraus completamente embriagados pelo silêncio e pela escuridão, não tínhamos luz, e quando forçado a erguer-me do chão e subir até ao tecto do céu, três degraus depois, estava a cerca de seis degraus do local de partida, assim
(não, não)
Tão pequeninos, assim tão próximos dos alicerces fortificados pelas mãos calejadas quando pendurávamos o cigarro na beirinha da grade da varanda, e
(já agora vais dizer-me que os barcos são de papel, não?)
Não, não, e, quando percebíamos... o cigarro com a ajuda do vento e da lei da gravidade, pumba... mesmo no centro do capô do automóvel estacionado na rua, coitado dele, e um deslumbre cinzento começava a erguer-se, e a erguer-se, até que acabou por desaparecer, eu tremia, o medo que ele se incendiasse, eu quase que me lancei da varanda para mais depressa conseguir resolver aquilo que o vento tinha provocado, e não me lancei e o automóvel não ardeu, E será que o vento apenas trouxe nuvens com cabelos e cavernas? Mas, tu não acreditas em nuvens com cabelos e cavernas!
Tão pequeninos, assim tão próximos dos alicerces fortificados pelas mãos calejadas quando pendurávamos o cigarro na beirinha da grade da varanda, e
(já agora vais dizer-me que os barcos são de papel, não?)
E neste momento acredito que os cigarros inventem dores de cabeça na copa das árvores, porque se assim não o fosse, os pássaros fumavam, os frutos fumavam, as folhas fumavam, a chuva que dizes ser as lágrimas de Deus, fumavam, e como sabes, não fumam...
Árvores, pássaros, frutos, folhas, ou mesmo, como tu gostas de o dizer, as lágrimas de Deus, aquelas que ultimamente não nos largam, dia e noite, já não bastava não termos luz, água canalizada ou gás, ainda temos o problema do telhados, como qualquer coisa relacionado com bicos de papagaio, e claro, entra-nos as lágrimas sobre os cobertores embrulhados em insónias e soluços de Carnaval, aparentemente, desisto de construir um lugar seguro, eterno, com os rios de pedra, porque a tua teimosia, porque a falta de cigarros
(VÊS COMO EU TINHA RAZÃO!).

(ficção não revisto)
@Francisco Luís Fontinha

Blogue Cachimbo de Água – Destaque no Sapo Angola

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Dois corpos invisíveis

foto: A&M ART and Photos

Se dois corpos se perdem no espaço exíguo da madrugada
deixando abandonada a mesa circular com duas chávenas e duas cadeiras
como se houvesse um túnel cinzento com aberturas tão finas como os sonhos de ontem,
se de dois corpos
nas mãos do néon que ligou o interruptor da solidão
descerem as palavras de silêncio
em busca da plenitude montanha das árvores acabadas de morrer,
se dois corpos em formato de pássaro
sem asas
começarem a voar sobre os campos doirados das planícies verdejantes
é porque uma mulher de corpo emagrecido
desceu das nuvens trazendo olhos castanhos e seios de algodão...

(não revisto)
@Francisco Luís Fontinha
Dois corpos invisíveis