Masturba-se a cidade
Dentro dos candeeiros de néon
As ruas incham nas sombras da noite
E nos orgasmos de fome
O desejo do homem vestido de mulher
Que vagueia sobre as migalhas de suor que se desprendem das árvores
(Tenho medo da noite
Medo das estrelas
Da lua
E dos rios que correm para o mar) – grita ele
O desejo do homem vestido de mulher
Que busca as minguas moedas de euro na algibeira amarrotada
E cinzenta
E deserta na confusão das luzes suspensas nos olhos do medo
A fome cresce e multiplica-se
Nas pétalas das flores escondidas dentro dos candeeiros de néon
E nos orgasmos de fome
Masturba-se a cidade
E o homem vestido de mulher sorri
Quando a garganta do medo come a noite
E os desejos das migalhas de suor
Correm nas veias travestidas de um cacilheiro
O homem sorri
E dorme nas asas cansadas do amanhecer
quarta-feira, 4 de janeiro de 2012
terça-feira, 3 de janeiro de 2012
O doutor dos parafusos
Hoje não Dói-me a cabeça,
- Hoje não Ontem não E na semana passada estavas com cãibras, Não é verdade só que hoje foi um dia cansativo muito cansativo e estou com uma tremenda dor de cabeça, e ontem,
Ontem o doutor dos parafusos de chave de fendas na mão a alinhar-me a direção e um aperto aqui outro ali e não me queixo que me dói a cabeça, mas sinto que lá dentro alguma peça desprendeu-se porque quando me viro repentinamente oiço o batimento metálico contra a fechadura dos sonhos, e o doutor dos parafusos,
- Mostra-me os pulsos francisco,
E eu mostro-lhe os pulsos e eu mostro-lhe os olhinhos Não é verdade doutor?, desde a segunda consulta que me quer ver os pulsos e desde a segunda consulta que me quer ver os olhinhos, e
- Porque na primeira consulta enclausurei-te dentro do jardim imaginário com árvores imaginárias e pássaros invisíveis,
E vamos lá ver esses pulsos e esses olhinhos o doutor dos parafusos para nós pássaros em voos curvilíneos no corredor da enfermaria onde o jardim imaginário e as árvores imaginárias e os pássaros invisíveis,
- Que têm os pássaros invisíveis francisco?,
Os olhinhos verdes castanhos vermelhos e
- E o raio que o parta que há mais de vinte e quatro horas que durmo como uma pedra ou pior Durmo com uma pedrada como nunca tinha experimentado, É dos pássaros invisíveis respondia-me o doutor dos parafusos,
E o Alex furibundo no corredor Foda-se ir a Fátima a pé…,
- E hoje juro que ia,
E as árvores imaginárias desciam pelo silêncio da noite quando o doutor dos parafusos munido de uma porção mágica
- Três gotinhas no leite e vais ver francisco,
E eu via as árvores imaginárias com os braços apoiados no parapeito da janela com grades de ferro para nós pássaros invisíveis não fugirmos para o jardim imaginário onde só o filho da puta do Alex podia passear porque sabia o segredo de coma atravessar a parede, e durante a noite pegava-me não mão e,
- Três gotinhas no leite e vais ver francisco,
E levava-me com ele e só regressávamos quando começava a clarear o dia, e hoje juro que ia, mas hoje não Dói-me a cabeça Hoje não Ontem não E na semana passada estava com cãibras, e hoje os pássaros invisíveis à nossa espera e impacientes no corredor e desde esse dia nunca mais regressamos, e só às vezes,
- Truz-truz truz, O doutor dos parafusos Sim faça favor E respondo-lhe que é para apertar os parafusos E claro a conversa de sempre O jardim imaginário Os pássaros invisíveis e outra coisa qualquer imaginária que me esqueci
Talvez o Alex a atravessar a parede da enfermaria, não me queixo que me dói a cabeça, mas sinto que lá dentro alguma peça desprendeu-se porque quando me viro repentinamente oiço o batimento metálico contra a fechadura dos sonhos, e o doutor dos parafusos,
E claro a conversa de sempre Mostra-me os pulsos e os olhinhos, e o Alex a atravessar a parede da enfermaria…
Mas sinto que lá dentro alguma peça desprendeu-se porque quando me viro repentinamente oiço o batimento metálico contra a fechadura dos sonhos, e o doutor dos parafusos,
Entre mim e o jardim imaginário e os pássaros invisíveis e uma outra coisa qualquer coisa imaginária…
(texto de ficção)
Palavras parvas nos meus olhos parvos
Dentro da garganta dos sonhos
Uma língua de fogo incendeia o meu corpo
E das minhas mãos desprendem-se malmequeres
E botões de rosa
E palavras desconexas que se perdem no vento
E palavras parvas nos meus olhos parvos dão vida aos poemas
Que semeio nas paredes escuras do corredor da morte
Sento-me sobre uma pilha de livros
E rezo
E esqueço-me que a fogueira consome os meus braços
E esqueço-me que na garganta dos sonhos
Um fio de luz prende-me à vida e não me deixa partir
Dentro da garganta dos sonhos
Pinto o mar na digestão da solidão
E os sonhos engolem as minhas cinzas
Engolem as minhas palavras
Engolem o mar que pintei na digestão da solidão
E rezo
Rezo que das minhas cinzas cresçam poemas
E das minhas mãos os malmequeres e os botões de rosa
Subam ao céu
E repousem junto a um buraco negro
Longe muito longe infinitamente longe
Onde as minhas palavras parvas e os meus olhos parvos
Brincam de mão dada a duas parvas retas paralelas
Uma língua de fogo incendeia o meu corpo
E das minhas mãos desprendem-se malmequeres
E botões de rosa
E palavras desconexas que se perdem no vento
E palavras parvas nos meus olhos parvos dão vida aos poemas
Que semeio nas paredes escuras do corredor da morte
Sento-me sobre uma pilha de livros
E rezo
E esqueço-me que a fogueira consome os meus braços
E esqueço-me que na garganta dos sonhos
Um fio de luz prende-me à vida e não me deixa partir
Dentro da garganta dos sonhos
Pinto o mar na digestão da solidão
E os sonhos engolem as minhas cinzas
Engolem as minhas palavras
Engolem o mar que pintei na digestão da solidão
E rezo
Rezo que das minhas cinzas cresçam poemas
E das minhas mãos os malmequeres e os botões de rosa
Subam ao céu
E repousem junto a um buraco negro
Longe muito longe infinitamente longe
Onde as minhas palavras parvas e os meus olhos parvos
Brincam de mão dada a duas parvas retas paralelas
segunda-feira, 2 de janeiro de 2012
Definitivamente não
Definitivamente não,
Acreditava eu quando olhava o céu do meu quintal e entre os ramos das mangueiras via os aviões em manobras de diversão, emagreciam e engordavam, e eu estúpido acreditava que dentro deles uma alavanca que alguém puxava e depois passavam os pássaros e eu já não acreditava em alavancas porque dentro dos pássaros só carne e ossos e músculos e gordura e porcaria e perguntava-me,
- Tudo bem francisco Dentro do avião o parvalhão puxa uma alavanca que o faz engordar ou emagrecer, e os pássaros?
Que têm os pássaros Perguntava-me o meu pai,
- Os pássaros pai Os pássaros quem os faz engordar ou a emagrecer,
Definitivamente não,
Quando junto ao porto de embarque e os barcos enormes e eu tão pequenino e perguntava-me,
- Também alavancas dentro dos barcos?,
Zarpavam em pedacinhos de nada à boleia de um rebocador e enquanto eu abria e fechava os olhinhos certamente o mesmo parvalhão que puxava a alavanca dos aviões e puxava a alavanca dos pássaros,
- Alavancas Quais alavancas?
O barco pequenino e desaparecia no horizonte,
- Pássaros com alavancas? Sorria o meu pai quando passávamos junto à estátua da Maria da fonte e no fim de tarde a ida aos coqueiros para assistir aos treinos do hóquei em patins,
E quando fui de Luanda a São Salvador de avião fartei-me de procurar pelo homem que puxava a alavanca para que os pássaros emagrecessem ou engordassem e definitivamente não, nenhuma alavanca dentro da barriga do pássaro a não ser, a não ser,
- A não ser o quê francisco?,
A não ser a cidade tão pequenina e outro parvalhão de alavanca na mão,
- Acreditava ele quando olhava o céu do quintal e entre os ramos das mangueiras via os aviões em manobras de diversão, emagreciam e engordavam,
A cidade tão pequenina e as nuvens penduradas à janela e o paquete em pedacinhos de nada agarrado à boca do rebocador,
- Eu com as mãozinhas agarradas às grades e nenhuma alavanca e nenhum homem a puxar a alavanca para que ele emagrecesse, e aos poucos alguém de alavanca na mão fazia com que Luanda ficasse tão minúscula e deixei de a ver e hoje,
E hoje recordo,
Definitivamente não,
E hoje recordo o dia em que vim e nunca mais vi Luanda porque aos poucos emagreceu e desapareceu e só água e só agua e só água,
E uma outra cidade começou a engordar quando ao longe uma ponte me acenava e anos mais tarde sentado junto ao rio via um paquete a caminhar tejo acima e um menino pendurado nas grades a acenar-me e a perguntar-me,
- É o senhor o homem das alavancas?,
Definitivamente não,
Alavancas? Miúdo tão parvalhão…
Alavancas, Alavancas.
(texto de ficção)
As árvores do sonho
Construímos manhãs
Nas árvores do sonho
Dentro dos pássaros onde habitamos
Junto ao rio emagrecido na garganta do mar
Construímos manhãs
E pintamos o pôr-do-sol no teto do desejo
E na montanha onde desenhamos flores
Brincam as tuas mãos suspensas no meu peito
Que acariciam os meus lábios
Nas árvores do sonho
O rio imaginário entra no teu corpo
E na tua boca cresce um beijo
Nas manhãs construídas
Debaixo das nuvens transparentes de algodão doce
Tu e eu olhamos a cidade que dorme
A construir manhãs na rocha dos sonhos
Nas árvores do sonho
Dentro dos pássaros onde habitamos
Junto ao rio emagrecido na garganta do mar
Construímos manhãs
E pintamos o pôr-do-sol no teto do desejo
E na montanha onde desenhamos flores
Brincam as tuas mãos suspensas no meu peito
Que acariciam os meus lábios
Nas árvores do sonho
O rio imaginário entra no teu corpo
E na tua boca cresce um beijo
Nas manhãs construídas
Debaixo das nuvens transparentes de algodão doce
Tu e eu olhamos a cidade que dorme
A construir manhãs na rocha dos sonhos
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