Dentro da garganta dos sonhos
Uma língua de fogo incendeia o meu corpo
E das minhas mãos desprendem-se malmequeres
E botões de rosa
E palavras desconexas que se perdem no vento
E palavras parvas nos meus olhos parvos dão vida aos poemas
Que semeio nas paredes escuras do corredor da morte
Sento-me sobre uma pilha de livros
E rezo
E esqueço-me que a fogueira consome os meus braços
E esqueço-me que na garganta dos sonhos
Um fio de luz prende-me à vida e não me deixa partir
Dentro da garganta dos sonhos
Pinto o mar na digestão da solidão
E os sonhos engolem as minhas cinzas
Engolem as minhas palavras
Engolem o mar que pintei na digestão da solidão
E rezo
Rezo que das minhas cinzas cresçam poemas
E das minhas mãos os malmequeres e os botões de rosa
Subam ao céu
E repousem junto a um buraco negro
Longe muito longe infinitamente longe
Onde as minhas palavras parvas e os meus olhos parvos
Brincam de mão dada a duas parvas retas paralelas
terça-feira, 3 de janeiro de 2012
segunda-feira, 2 de janeiro de 2012
Definitivamente não
Definitivamente não,
Acreditava eu quando olhava o céu do meu quintal e entre os ramos das mangueiras via os aviões em manobras de diversão, emagreciam e engordavam, e eu estúpido acreditava que dentro deles uma alavanca que alguém puxava e depois passavam os pássaros e eu já não acreditava em alavancas porque dentro dos pássaros só carne e ossos e músculos e gordura e porcaria e perguntava-me,
- Tudo bem francisco Dentro do avião o parvalhão puxa uma alavanca que o faz engordar ou emagrecer, e os pássaros?
Que têm os pássaros Perguntava-me o meu pai,
- Os pássaros pai Os pássaros quem os faz engordar ou a emagrecer,
Definitivamente não,
Quando junto ao porto de embarque e os barcos enormes e eu tão pequenino e perguntava-me,
- Também alavancas dentro dos barcos?,
Zarpavam em pedacinhos de nada à boleia de um rebocador e enquanto eu abria e fechava os olhinhos certamente o mesmo parvalhão que puxava a alavanca dos aviões e puxava a alavanca dos pássaros,
- Alavancas Quais alavancas?
O barco pequenino e desaparecia no horizonte,
- Pássaros com alavancas? Sorria o meu pai quando passávamos junto à estátua da Maria da fonte e no fim de tarde a ida aos coqueiros para assistir aos treinos do hóquei em patins,
E quando fui de Luanda a São Salvador de avião fartei-me de procurar pelo homem que puxava a alavanca para que os pássaros emagrecessem ou engordassem e definitivamente não, nenhuma alavanca dentro da barriga do pássaro a não ser, a não ser,
- A não ser o quê francisco?,
A não ser a cidade tão pequenina e outro parvalhão de alavanca na mão,
- Acreditava ele quando olhava o céu do quintal e entre os ramos das mangueiras via os aviões em manobras de diversão, emagreciam e engordavam,
A cidade tão pequenina e as nuvens penduradas à janela e o paquete em pedacinhos de nada agarrado à boca do rebocador,
- Eu com as mãozinhas agarradas às grades e nenhuma alavanca e nenhum homem a puxar a alavanca para que ele emagrecesse, e aos poucos alguém de alavanca na mão fazia com que Luanda ficasse tão minúscula e deixei de a ver e hoje,
E hoje recordo,
Definitivamente não,
E hoje recordo o dia em que vim e nunca mais vi Luanda porque aos poucos emagreceu e desapareceu e só água e só agua e só água,
E uma outra cidade começou a engordar quando ao longe uma ponte me acenava e anos mais tarde sentado junto ao rio via um paquete a caminhar tejo acima e um menino pendurado nas grades a acenar-me e a perguntar-me,
- É o senhor o homem das alavancas?,
Definitivamente não,
Alavancas? Miúdo tão parvalhão…
Alavancas, Alavancas.
(texto de ficção)
As árvores do sonho
Construímos manhãs
Nas árvores do sonho
Dentro dos pássaros onde habitamos
Junto ao rio emagrecido na garganta do mar
Construímos manhãs
E pintamos o pôr-do-sol no teto do desejo
E na montanha onde desenhamos flores
Brincam as tuas mãos suspensas no meu peito
Que acariciam os meus lábios
Nas árvores do sonho
O rio imaginário entra no teu corpo
E na tua boca cresce um beijo
Nas manhãs construídas
Debaixo das nuvens transparentes de algodão doce
Tu e eu olhamos a cidade que dorme
A construir manhãs na rocha dos sonhos
Nas árvores do sonho
Dentro dos pássaros onde habitamos
Junto ao rio emagrecido na garganta do mar
Construímos manhãs
E pintamos o pôr-do-sol no teto do desejo
E na montanha onde desenhamos flores
Brincam as tuas mãos suspensas no meu peito
Que acariciam os meus lábios
Nas árvores do sonho
O rio imaginário entra no teu corpo
E na tua boca cresce um beijo
Nas manhãs construídas
Debaixo das nuvens transparentes de algodão doce
Tu e eu olhamos a cidade que dorme
A construir manhãs na rocha dos sonhos
Acordar
Espero impaciente pelo teu acordar
E que no final da manhã
O teu lindo sorriso de odor a mar
Me abrace
E nos teus olhos
Desapareça a tempestade
E cessem todas as dores
E cesse a saudade
E que no final da manhã
O teu lindo sorriso de odor a mar
Me abrace
E nos teus olhos
Desapareça a tempestade
E cessem todas as dores
E cesse a saudade
domingo, 1 de janeiro de 2012
À mesa do café
À mesa do café esperava por ti,
Mergulhava num livro de António Lobo Antunes e ficava lá até que via a aproximação da tua sombra e puxavas silenciosamente uma cadeira e te sentavas e me olhavas, e finalmente vinhas visitar-me e finalmente pegavas na minha mão,
À mesa do café esperava por ti e eu imaginava-te num sorriso junto ao tejo quando eu passeava distraidamente e mergulhava nas lágrimas do rio e me sentava a junto a ele a fumar cigarros e quando terminavam os cigarros desenhava o teu rosto na água, e quando terminavam os cigarros pintava os teus lábios na neblina que me ofuscava a visibilidade, e ao longe, e ao longe a ponte desaparecia em pedacinhos de silêncio, e eu ficava lá,
- E vinte anos depois ainda mergulho nos livros dele,
Via a aproximação da tua sombra e puxavas silenciosamente de uma cadeira e te sentavas e me olhavas,
- Hoje não preciso de te esperar porque hoje já vives dentro de mim, e quando terminavam os cigarros ele pegava nos meus lábios e pintava-os de azul e quando me olhava ao espelho, e quando me olhava ao espelho tinha o mar na minha boca,
Gosto de ti diz-me ela antes de adormecer, gosto de ti antes de eu mergulhar nos livros dele e puxar de uma cadeira silenciosamente à mesa do café esperava por ti e ficava lá e te sentavas e me olhavas e oiço a tua voz Gosto de ti,
- E vinte anos depois ainda mergulho nos livros dele,
E ao longe a ponte desaparecia em pedacinhos de silêncio, e eu ficava lá a ver o mar pintado nos teus lábios e eu hoje sentado à mesa do café a mergulhar num livro dele e espero que acordes amanhã e pegues na minha mão e que o mar que pintei nos teus lábios esteja lá,
- Claro que sim seu parvalhão Amanhã vou acordar e o mar nos meus lábios à tua espera na mesa do café, e puxo silenciosamente uma cadeira e me sento e te olho, e finalmente vou visitar-te e finalmente pegas na minha mão e o mar que pintaste nos meus lábios abraçar-se-á à tua boca,
Gosto de ti antes de adormecer quando oiço a voz dela,
- Gosto de ti,
Quando oiço a voz dela e eu com um livro dele na mão espero que ela amanhã acorde e abra os olhos e me olhe e,
- Gosto muito de ti,
E nos lábios dela continue lá o mar que pintei,
- Claro que sim seu…
E ela amanhã acorde e pegue na minha mão.
(texto de ficção)
Os teus olhos de amanhecer
Dos teus lábios
Um finíssimo fio de espuma
Se mistura no mar
Dos teus lábios
Em desejo
Uma barcaça não desiste de navegar
E dos teus sonhos nos teus lábios
O sorriso de recomeçar
Em cada manhã
A cada luar
Dos teus lábios
Oiço as palavras engasgadas na areia que poisa no teu corpo
E se dilata nas mãos de um jardim com flores
E abelhas
E muitas cores
E no desejo de quando acordares
As flores
As abelhas
E as cores
Iluminem os teus olhos de amanhecer
Um finíssimo fio de espuma
Se mistura no mar
Dos teus lábios
Em desejo
Uma barcaça não desiste de navegar
E dos teus sonhos nos teus lábios
O sorriso de recomeçar
Em cada manhã
A cada luar
Dos teus lábios
Oiço as palavras engasgadas na areia que poisa no teu corpo
E se dilata nas mãos de um jardim com flores
E abelhas
E muitas cores
E no desejo de quando acordares
As flores
As abelhas
E as cores
Iluminem os teus olhos de amanhecer
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