Digo-o porque assisti ao
romper desmesurável das mãos entrelaçadas nas lanças de aço que
profundamente entram no coração doirado do velho com óculos,
oiço-lhe os gemidos cansados dos alforges doces sargaços que o mar
desencontra nas tardes de solidão, digo-o e oiço-o, e às vezes
apressadamente contra o muro da paixão, nunca soube, ele, que me
tinha apaixonado e loucamente caminhava no arame que atravessava a
rua deserta de palavras, ficticiamente adornada com oiro e cinza de
olhos encarnados que os mendigos construíam com as migalhas de
vidro, gostava dele, muito dele, digo-o enquanto lá fora chove, e a
luz silenciosa da morte alicerça-se nas palavras escritas na ardósia
extinta da infância,
não me ouvirás mais,
doce pergaminho dos dias acorrentados aos negros e pasmados buracos
que a noite transpira, digo-o, oiço-o, pensando que amanhã me
sentarei no teu colo infinitamente débil dos versos traduzidos e
semeados nas searas longínquas da saudade, e um dia perceberei que
as estrelas são de papel, e as nuvens, no entanto, hoje, são de
lágrimas janelas que a maldita cidade esconde nos jardins com flores
de mármore, porque assisti ao romper desmesurável das mãos
entrelaçadas de aço que profundamente entraram no teu coração de
vidro frágil como a água dos rios antes de encontrarem o oceano,
gosto tanto de ti,
digo-o, oiço-te,
loucamente percebias as minhas palavras, loucamente davas alegria às
minhas loucuras clandestinas nas areias finas do Mussulo, gosto tanto
de ti, e os meus machimbombos continuarão a saltitar de paragem em
parem, de berma em berma, e de candeeiro em candeeiro, a morte desce
do tecto da madrugada, cai sobriamente nas algibeiras das montras
doiradas onde um louco vende poemas e sonhos, e inventa a amizade, e
inventa a saudade, e as flores e as pedras e os socalcos,
gosto tanto de ti,
e os socalcos desaparecem
nas fresta do velho NOGUEIRA, escrevo-te, hoje, como se amanhã todos
os rostos de uma cidade perdida na escuridão fossem alegremente as
palavras dos teus medos, anseios, e no entanto, no entanto, hoje, são
de lágrimas janelas que a maldita cidade esconde nos jardins com
flores de mármore,
gosto tanto de ti,
digo-o, oiço-o.
(texto não revisto)
Francisco Luís Fontinha
15-11-2012