quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

O beijo é uma fotografia

 

Uma casa cansada despede-se da saudade.

Todas as portas e,

Todas as janelas,

Dormem docemente na umbria da tarde.

O beijo louco das árvores,

Quando o louco amor,

Desce a calçada,

Quando a boca, da casa, beija a tarde em despedida.

E essa mesma casa,

Cansada,

Dorme docemente na tua mão.

Sabes, amor? Todas as flores do teu jardim e,

Todas as árvores do teu jardim,

Alimentam-me quando o sono desaparece na alvorada,

Uma pomba, voa entre pedaços de papel,

Até à claridade do dia,

Uma casa,

O amor da casa pelo pobre jardineiro,

Uma carta escrita entre parênteses e,

Fica sempre aquém um simples ponto final.

O rio foge das suas margens,

Os peixes agradecem todos os rochedos que encontram,

Todos os dias,

Ao meio-dia.

O café encerrado,

A esplanada entre pontas de cigarro e,

Lâmpadas de néon…

Tristes, como a aldeia dos chocolates.

Sabes, amor?

O beijo é uma fotografia,

Como a casa,

Cansada da saudade.

 

 

Francisco Luís Fontinha, Alijó 31/12/2020

quinta-feira, 24 de dezembro de 2020

De ti, sem ti.

 

Sem ti, das saudades de Luanda.

O menino que tropeça na sombra das mangueiras,

E, em cada fim de tarde,

O abraço imaginário do “chapelhudo”.

Caía a noite sobre ti,

E, dentro da sonolenta dor, os papagaios em papel colorido,

Que voavam em direcção ao infinito.

Guardo de ti, todas as fotografias,

Todas as palavras, escritas, não escritas,

Sobre um corpo moribundo.

O mar,

Lá longe, os braços do mar,

Corrupiando sobre a maré dilacerante do nada,

Tinha medo, da “lhá”,

Ouviam-se os gritos melancólicos dos mabecos,

Esfomeados pelo sono do desassossego,

E, no entanto, eram tão queridos, como o são todos os animais…

Sem ti, das saudades de uma Luanda assassinada por um dia de Verão,

Na algibeira, as pequeníssimas côdeas de saudade,

Descendo a calçada,

Sentava-me no chão, pedia à sombra das mangueiras, protecção para terminar mais uma aventura, descia do teu colo e, sabia que tinha regressado do ontem.

Hoje, recordo uma Luanda apodrecida numa pequena folha em papel,

Um vagabundo poema,

Que não deixa saudades.

Sem ti, de ti,

Este dia sem nome.

 

 

Francisco Luís Fontinha, Alijó – 24/12/2020

sábado, 19 de dezembro de 2020

O circo da loucura

 

Um louco será sempre um louco.

Cerram-se todas as janelas da poesia,

Morrem todos os pássaros da minha aldeia,

De tanto, o pouco,

Das flores donzelas que eu queria…

Antes do horário da ceia.

Caem sobre ti as loucas fotografias,

Escrevem-se as palavras sobre a ria,

Depois, vem a fantasia,

E, o amor e, a alegria.

Escrevo-te, meu amor,

Todas as tardes em beleza,

Sinto, sento-me, nas heteras mãos de Deus,

Sabes? O palhaço está doente,

A flor,

Tua doce boca, só, na clareira,

E, todas as sanzalas, e, todos os musseques,

Doentes

Como Deus nos apetece.

Esqueço,

Durmo nesta cama azada,

Entre um cobertor de pano

E, uma nova namorada.

Entre palavras parvas

Que assombram as minhas mãos;

Sabes, meu amor!

A vizinha está encharcada de veneno,

Trouxe a morte,

A vaidade…

E, escreveu seu nome,

Nas amplas matrizes de poder,

Olho-a,

Vejo-a,

E, loucamente te beijo,

E, loucamente,

Eu, este louco que te quer.

Um louco será sempre um louco,

No destino de viver.

 

 

Francisco Luís Fontinha, Alijó/19-12-2020