quinta-feira, 14 de maio de 2020

Não tenho pressa, meu amor.


Não tenho pressa de regressar às tuas mãos.

Enquanto dormir nos teus lábios,

Os meus braços alicerçam-se à tua boca,

Escrevem,

Correm,

Nos poemas de viver.

Não tenho tempo de regressar ao teu corpo,

Em chocolate puro,

Doce,

Como a amêndoa amanhecer.

Não tenho pressa de escrever no teu cabelo,

Os poemas de esconder,

Os versos partidos e fatiados,

Ao pequeno-almoço.

Não tenho pressa de caminhar,

Em direção ao mar,

Porque o rio está longe,

Das fotografias de beijar.







Francisco Luís Fontinha

Alijó, 14/05/2020

terça-feira, 12 de maio de 2020

Amanhã chove


Cansado da cidade dos sonhos, o cheiro a alecrim em pedaços de sorriso, enquanto lá dentro, no silêncio da tasquinha, a alvorada acorda como acordam, de manhã, todas as alvoradas,

Existe o medo, no teu sorriso de amêndoa, sentas-te, constróis sorrisos no meu olhar, semeias a esperança nas minhas mãos calejadas pela enxada da vida, o extinto silêncio de uma noite tricotada numa velha folha de papel, as árvores sombreiam as loucas abelhas das ruelas em cio,

Uma rua, chora,

Fictícios livros travestidos de sofrimento, alimentam a loucura das tardes junto ao rio, uma fotografia, feliz de ti, sorri-me e, desenha-se no meu corpo,

Ouve-me,

Lá longe, o oiro da solidão pregado numa parede granítica, aflita de dívidas, no sótão habita a fome, livros há muitos, mas apenas comemos sombras desde ontem,

No entanto,

Estamos felizes,

Muito.

O mar aconchega-nos aos três, lá fora ouvem-se as pedras da azafama que sustentam as ruas da paixão e, o mar é amigo dela,

Abraça-me, lê-me um poema de ninguém, que eu perceba, como o vento, em todas as tardes de vento,

A arte de comer sombras, duas partes de luz e uma de água, mexe-se bem, agita-se, e na mesa uma travessa de lagosta, suja, cansada da vida, como eu, quando o gelo do uísque aterra na minha mão, juntos às palavras, palavras, honestas, fiéis ao labirinto do medo e, nos joelhos, as páginas de um velho Jornal,

Amanhã chove.

E as flores?

Que têm as flores, a não serem flores, com cores, em papel, em marfim, em pedacinhos de luz,

Amanhã chove.

Oiço na tua mão a trémula palavra do amor, as vinhas dormem nos socalcos da solidão, porque a noite é bela, porque a noite é parva, como ela,

Chove, amanhã?

Amanhã chove.





Francisco Luís Fontinha

Alijó, 12/05/2020

sexta-feira, 8 de maio de 2020

Cidade sem nome


És as asas dos meus sonhos.

Os lábios pincelados da minha janela,

És a canção do meu sorriso,

Poema sem jeito, barco, barcaça, caravela,

És o silêncio da minha cidade,

Palavras semeadas na minha aldeia,

És o Sol sem juízo,

Nas noites de Primavera.

És a voz trémula dos sinos em descanso,

O mar calcetado pela esperança,

És o Rossio em demanda,

Passeando na calçada,

És gaivota,

Madrugada.

És a fala amestrada

Das noites choradas,

Beijo na despedida,

És o corpo ausente

Das varandas envenenadas

Pelas abelhas do nada.

Pelas abelhas da Ira.

És o oiro,

Verso em construção,

És o mar salgada da insónia,

Quando absorve o teu corpo na alvorada.

És rochedo,

Medo,

Palavra brava…

És a janela,

A porta,

Da cidade sem nome,

Que privilegia as flores do cansaço.

És rio,

Riacho,

És o calendário da insónia,

Nome,

Morada,

Das ruas em ebulição.

És o vento em aflição,

Bandeja de esplanada,

És tudo.

Não és nada.

És beijo e desejada.





Francisco Luís Fontinha

Alijó, 08/05/2020