sábado, 2 de abril de 2016

Ao espelho


Sofro por ti meu amor

Sinto a tua mão no meu rosto cansado pela doença

Sinto no meu corpo

As marras do destino

Habito em ti

Sou pedaço do teu cansaço

Livro das tuas palavras

Algumas parvas

Algumas insignificantes

Sofro o derradeiro sofrimento

Que as marés do inferno me trazem

Não tenho medo da tua partida

Não tenho medo da tua ausência

Suicido-me nos teus lábios

Acabrunho-me nas imensuráveis paixões dos poços da morte

Estou só meu amor

Partiste sem me avisar

Naquela noite das sombras do esquecimento

Suicido-me no teu perfume

Caminho calçada abaixo

As rosas da melancolia

As raízes dos soníferos orgasmos da manhã

Fugidios corações de aço

No corpo debruçado sobre o parapeito do desejo

Estou cego meu amor

Os dias tristes da tua ausência

Ao longe os apitos da locomotiva do adeus

Nunca mais quis o amor

Nunca mais quis a infância desenhada em Luanda

Perder-me numa Alijó encurralada no esquecimento

O frio

O frio disfarçado de abismo

O amor regressado do mendigo palhaço do deserto

Saber que amanhã estou só

Eu

A noite

O amontoado de sucata

As árvores do teu sorriso

Estou só


Só neste sargaço da sonolência do labirinto de asas

Pássaros enraivecidos

Limitados pela cabeça do sono

Tenho medo meu amor

Tenho medo da madrugada

E acreditar que estás vivo

Ao meu lado

Esticando o dedo…

Então engenheiro!

Não tenho palavras do suicídio fictício da minha vida

O Tejo peneirento algures nos teus lábios

Estou feliz hoje

Permaneço no esquadro envidraçado do teu olhar

Meu amor

Me encontro encurralado no esquecimento

Submersos esqueletos de gelatina

Ao espelho

O meu corpo envidraçado

 

Francisco Luís Fontinha

sábado, 2 de Abril de 2016

sexta-feira, 1 de abril de 2016

a flor em solidão


uma flor em solidão

alicerça o seu perfume no meu corpo rasgado pelas andorinhas

velhos farrapos voam em direcção ao mar

sussurram palavras desamadas

em construção

no papel em destruição

habita o meu olhar

tenho tudo

e não tenho nada

tenho uma mãe

tive um pai

tenho pão

livros

e nada me falta

pego nas esferográficas do amor

sou feliz

deambulo pelos jardins desta cidade envelhecida

não tenho medo das tuas mãos

tenho uma mãe

tive um pai

nada tenho

e nada me falta

uma flor em solidão

cravada no peito

sangro

sinto a dor dos Oceanos prateados

sinto a dor dos barcos ancorados

escrevo

escrevo nas velas de um velho veleiro

o poema da flor em solidão

e a morte separa-nos

eleva-se ao decimo quinto andar esquerdo do silêncio

e abraça-se no horizonte

e dorme junto às tuas pálpebras de solidez paixão

 

Francisco Luís Fontinha

sexta-feira, 1 de Abril de 2016