quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Mas ele não é Ateu?

(21 de Dezembro de 2012, 02:35 horas)

Não sobrou nada para nós, dizias que ele era um oceano de luz entre quatro paredes de vidro, mas ela não queria acreditar, o fim do mundo?
existe o mundo? Perguntava a minha avó quando subia connosco ao cimo da montanha, e olhando em redor,

tão grande o mundo,

e apenas uns miseres quilómetros quadrados, depois, o mar dentro das jangadas de xisto que deambulavam em circunferências concêntricas até desaparecerem no limite do pôr-do-sol quando o olhar da mulher que vivia no rés-do-chão direito, da rua da alegria, tendia para zero, confundia-se às vezes

mais ou menos infinito,

o fim do mundo espelhado no tecto da igreja abandonada pelas pessoas da aldeia, mentias-me quando chegavas a casa de dizias-me que vinhas da missa, eu, fingia acreditar e pensava

mas ele não é Ateu?

Não, sobrou nada para nós, ouvias-me fingindo que acreditavas em mim, perguntava-te

não acreditas em mim? Sorridentemente dizias-me Claro que sim meu querido amor, claro que sim, tão grande o mundo, as palavras, as azeitonas sobre a mesa da cozinha, completamente sós, abandonadas pelas mãos da minha avó, que subia connosco ao cimo da montanha, e olhando em redor

tão grande o mundo,

tão azul, tão, como diria o meu grande amigo, tão clandestino como as asas dos plátanos, ninguém, entre noites e muros de vedação, ninguém acreditava

acaba agora o mundo...

mas ele não é Ateu?

Claro que é, mas para efeitos normativos, para enganar a mulher, enquanto ela o espera

será que o espera?

Ele faz o sacrifício de todas as noites ir à missa deita-se de barriga para o céu e começa a contar as estrelas, e quando as fotografias da amante começam a colarem-se-lhe no corpo esbranquiçado de incenso, parte, para longe, e chega a casa

desculpa amor, o sacerdote chegou atrasado, e ela não queria acreditar, o fim do mundo?

acaba agora o mundo...

mas ele não é Ateu?

Não é, foi, agora é de todas as crenças, talvez alguns dos outros deuses lhe valham, e o fim do mundo

não acabou, vês meu amor querido,

e sinceramente eu não via nada, pesava-me a cabeça, cambaleava quando entrava em casa, ela esperava-me, ele esperava-me,

só agora, eles para mim,

e logo agora

e sinceramente eu não via nada, pesava-me a cabeça, cambaleava quando entrava em casa, ela esperava-me, ele esperava-me, e logo agora que fiquei sem cigarros, e logo agora

só agora, eles para mim,

a mulher, a amante da mulher, o sacerdote, o sacristão, e eu

Não sobrou nada para nós.

(texto de ficção não revisto)

@Francisco Luís Fontinha
Alijó

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Literatura verdejante


Há dentro de ti
um fluido hidráulico que corre como um rio
alimenta os teus braços
as tuas pernas
os teus ossos engomados
pela complexa geada da noite

tens luzes na tua boca silenciosa
que esconde madrugadas
flores amassadas
incêndios de esperma
janelas encerradas
que não te deixam ver o mar

há dentro de ti
um jardim de terra queimada
capim
mangueiras cobertas de sonhos
e de papagaios de papel
há em ti a literatura verdejante que as mãos do diabo despenharam contra os rochedos da lua

há um homem cego
dentro de ti que habita a paixão
capim
zinco que rodeia a cidade
há uma canção
à espera da tua voz poética e que a chuva miudinha mastiga

e sofre
e engole
manhãs de ti dentro do perfume da maré
caiem docemente as partículas do sono
sem fé
que os teus lábios consomem na lareira do ciúme inventado por um louco

e pouco
muito pouco posso escrever dentro de ti
a não ser
olhar-te como um rio
que corre
e caminha o teu fluido hidráulico que traz a insónia em pedacinhos de cereja...

(poema não revisto)

@Francisco Luís Fontinha
Alijó