sábado, 8 de dezembro de 2012

entre parêntesis

a inventar beijos nos poemas perdidos, coitados deles, elas, deles, aqueles infelizes que escrevem nas nuvens e inventam beijos, delas, aquelas magras sílabas que o Outono come e a lareira dilui das mandíbulas engasgadas do ciúme, mútuo, longínqua manhã das palavras prometidas, delas, elas coitadas feridas, à janela, sem forças para sorrir, sorri ele à lapela do silêncio moribundo, húmidas coxas que a maré desenha nos rochedos das noites a inventar beijos, a jogar beijos nos dados viciados sobre a mesa do diabo, ele, coitado, apaixonado,

ele, coitado, teso, falido, a inventar beijos no crepúsculo esqueleto ósseo que as navalhas da miséria constrói, digo-o novamente entre parêntesis, (destrói), digo-o Novembro em constante doçura que as mãos dos teus lábios em tuas tristes vozes, inventas os beijos, rochedos, ruas e montras com portas de vidro, escadas que dão acesso ao céu, esmolas, pedacinhos de pão com manteiga, esfolas, elas de mini-saia, eles engraçados como as rosas dos jardins da rua sonolenta onde dormem os camelos do deserto, outros pedacinhos de pão com marmelada, apaixonado, ela, ele, coitada, coitado, por ele, por ela, dentro dele, dentro dela, sobre o rio infinito encurvado, torto às vezes, muitas vezes, perguntas-me quando regresso, De onde vens tu meu safado?, respondo-te docemente

da lua minha querida entre parêntesis (doce apaixonada janela)

frívola, as tuas mãos no meu rosto, não acreditas, gritas, lamentas-te aos espelhos clandestinos dos versos a inventar beijos nos lábios coitados, eles e elas, as palavras e as janelas, frívola, tu, não acreditas, sorris, eu minto-te, aldrabão, charlatão, vigarista, poeta, sindicalista, juro minha querida, da lua minha querida entre parêntesis (doce apaixonada janela), venho aos teus braços, meu doce marido,

doce apaixonada janela.

inventas beijos, inventas lágrimas de gesso, inventas palavras de arsénio, inventas o sofrimento, o vento, e o suicídio dos poemas beijados pela lua, inventas-me os lábios e as minhas olheiras, inventas-me as noites de solidão à lareira, e entre parêntesis escrevo-o em ti e para ti ai de nós se os alicerces da insónia desabam sobre os oceanos de sémen, e entre parêntesis escrevo-o

(a inventar beijos nos poemas perdidos)

ele a folhear revistas pornográficas à janela bela Almirante Reis, frívola, as tuas mãos no meu rosto, não acreditas, gritas, lamentas-te aos espelhos clandestinos dos versos a inventar beijos nos lábios coitados, eles à pancada, avenida abaixo, janela acima, gritas-me, e não acreditas, avenida abaixo, abaixo o governo, frívola, mentes-me oiço-o quando subo as escadas, sacudo as quatro paredes do teu quarto escuro, imundo, abaixo o governo, abaixo as luzes ténues das cidades, os semáforos, as vaidades, o cus e as pernas e as coxas, deles e delas, verde, amarelo, encarnado, inchado, emagrecida ela entre parêntesis escrevo-lhe, escrevo-lhe

(a puta da tua mãe minha querida comeu todas as ervas do meu jardim, mentes-me, eu minto-te, não regresso, adio, fico à espera que adormeças e te transformes em putrefacção, fico à espera, não desisto, a puta da tua mãe comeu os meus cigarros loiros com olhos azuis, fico à espera, em desejo, foda-se, perco o medo, a inventar beijos nos poemas perdidos, coitados deles, elas, deles, aqueles infelizes que escrevem nas nuvens e inventam beijos, delas, aquelas magras sílabas que o Outono come e a lareira dilui das mandíbulas engasgadas do ciúme, mútuo, longínqua manhã das palavras prometidas, delas, elas coitadas feridas),

só para mim, amarelo, encarnado, STOP, paro o carro, abro a janelinha de amendoim, peço uma imperial, e juro meu amor, juro que não vou levar a mal por te ires embora, juro que não vou ficar triste pela tua ausência, juro entre

(parêntesis)

que às vezes pareço feliz infeliz solitariamente na sombra de um guindaste de aço a olhar docemente os seios de diamante que o mar tem em cada olhar, só para mim, amarelo, encarnado, STOP, paro o carro, apetece-me correr, não de ver, ouvir, gritar

estou aqui

ali, ele, ela, ele e ela, na cama do amor com pedacinhos de pão com manteiga, na cama do amor com pedacinhos de pão com marmelada, na cama do amor com pedacinhos de pão com beijos, tu, malvada, malvado, inventas-me, e inventas beijos nos poemas perdidos,

estou aqui

deitado, ao teu lado, calado, em silêncio, acorrentado às mentiras das janelas frívolas que tu gritas antes de adormecer, que tu gritas quando és penetrada, as portas dos quartos suspensas nos infelizes gemidos das palavras, inventadas, inventas-me hoje, só hoje

(parêntesis)

estou aqui

(parêntesis)

em pânico.

(texto de ficção não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

ela a lápide da amizade


um corpo de espuma cinzenta
flutua nos lençóis da morte
vagarosamente há nas paredes do desejo
o silêncio travestido de flor selvagem
há um porto de embarque à tua espera
com ondas de sabão
e risos poucos alguns suspiros de adormecida névoa
um corpo meu cinzenta da noite áspera cansada maré dos sonhos,

há mamas de nevoeiro disfarçadas de poesia
corpos
montes de lixos e massa óssea à mistura
álcool e sopa de pregos mergulhados no aço da fome
um corpo de homem
de espuma cinzenta
as cintilações do clitóris volátil que o desejo constrói nas paredes de cartolina
ela a lápide da amizade,

há na tua janela a palavra saudade
pigmentada entre os perfumes complexos das coxas da morte
o fumo do teu cigarro depois do suicídio
junto ao rio aos barcos de madeira apodrecida
cinzenta maré ácida amarga toda a merda prometida
há um corpo com asas
e dentes de marfim a voarem sobre as casas desabitadas,

há mamas braços pernas cus abraços
na minha cama
há o meu corpo putrefacto em espuma cinzenta
confiscado pelos anzóis do destino
há uma esplanada com cinzeiros de prata
há mamas braços pernas cus abraços
na minha cama de luz o caixão de espuma cinzenta...

(poema não revisto)

@Francisco Luís Fontinha

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Dos espelhos às portas de mesas compridas

Mandaram-me sentar na sala dos espelhos, não me sentei por razões de desobediência, não gosto, detesto, e o meu irmão

- de espelhos?

não parvalhão, o problema não são os espelhos, mas simplesmente não gosto que me obriguem a sentar quando me apetece ficar de pé, não gosto, detesto, não gosto das noites sem música, não gosto das noites sem livros, e não gosto das noites quando o meu mano querido se disfarça de alfinete de dama, e dou com ele agarradinho à minha lapela, com medo de cair, o meu querido mano

- de espelhos? De espelhos, às portas, de mesas compridas com cadeiras muito altas, de corredores e no final dos carris a casa de banho, a sanita, o vide e a banheira, o solitário lavatório, e uma janela com vista para o pátio das perdizes envenenadas pelos professores de literatura, os livros poeirentos empilhados até ao tecto onde de vez em quando uma trapezista aposentada desenferruja as cartilagens recordando alguns dos números praticados no bar dos morcegos quando disfarçada de gaivota voava sobre as mesas semeadas de gajos embriagados, com minhocas esfomeadas suspensas dos lábios de aço,

a noite é triste, Ouvia-o segredar-me ao ouvido, agarradinho à minha lapela e sentia-lhe o aço das mãos de pérola dos mares clandestinos, a minha mãe

- perdi o teu irmão numa noite de tempestade, Viste-o, não lhe respondi, nunca tive coragem de lhe dizer que ele se tinha transformado em alfinete de dama e que vivia agarradinho à minha lapela, coitada, ainda hoje, na sala dos espelhos, ainda hoje na sala dos espelhos ouvem-se aqui e ali ou acolá algumas delas, em gotinhas ou drageias, e maldita próstata, para a diabetes, corações apaixonados, ou partidos, ou despedaçados, chás, drageias, tudo que eu precisava à distância de um clique, próxima paragem Cais do Sodré, a noite, tua, vestida de tempestade, viste-o?, e pergunto-me porque tenho de me preocupar com um irmão que nunca tive, e pergunto-me porque tenho de me preocupar com um irmão que nunca vi, apalpei, toquei

nos teus braços minha querida quando descias o Chiado,

- o meu querido mano a olhar os barcos de papel e a contar quantos pássaros tem uma tarde em Lisboa, milhares dizia-me ele

muitos, e alguns andam disfarçados de candeeiros e quando regressa a noite da cidade dos espelhos com salas com paredes de espelhos, com a minha mãe a afagar um alfinete de dama pensando ser o meu irmão, eu

- ele na janela do perfume, o gesso em cio nas árvores mortas pelo cansaço da maré

eu não percebendo que um alfinete de dama raramente é gente, homem, irmão, companheiro ou amante, mas ela

- eu acredito em ti meu filho,

o meu irmão

- qual filho?


eu não percebendo que um alfinete de dama raramente é gente, homem, irmão, companheiro ou amante, mas ela descia o Chiado, viste-o?, e pergunto-me porque tenho de me preocupar com um irmão que nunca tive, e pergunto-me porque tenho de me preocupar com um irmão que nunca vi, apalpei, toquei, como as persianas da insónia quando cismam em não desaparecerem das noites sombrias do silêncio adamastor que o meu irmão inventado e disfarçado de alfinete de dama me perguntava, o meu irmão perguntava-me

- qual filho?

o meu irmão incrédulo na minha lapela e ela, e ela descendo o Chiado acreditava que tinha um filho, eu, ele, ela, Qual filho? Entre as ruas desabitadas da cidade iluminada pelos faróis clandestinos que o inverno semeia nas planícies da loucura,

- nos teus braços minha querida quando descias o Chiado,

mandaram-me sentar na sala dos espelhos, não me sentei por razões de desobediência, não gosto, detesto, e o meu irmão adormeceu sem me dar um beijo, sem que eu o tocasse ou simplesmente o olhasse, não se mexeu, cerrou os olhos de metal e desapareceu na claridade das estrelas de vidro.

(texto de ficção não revisto)

@Francisco Luís Fontinha